O HOMEM QUE VENCEU O MEDO – Jackie Stewart, Nurburgring 1968

sexta-feira, 19 de novembro de 2010 às 13:16
A tempestade

“Nunca percorri uma volta em Nurburgring que não fosse necessária”. Analisando friamente esta frase de John Young Stewart, poderia-se questionar porquê incluir seu nome entre os Reis da Chuva; afinal, o maior defensor da segurança nas pistas nunca se sentiu a vontade correndo riscos injustificáveis. Por todo seu ativismo em nome de melhores condições de trabalho para os pilotos, Jackie foi pejorativamente chamado pela imprensa da época de “piloto vacilante”. Em 1968, uma vez mais, o homem que chamavam de medroso mostrou do que era capaz.

O longo, sinuoso e traiçoeiro circuito de Nurburgring amanheceu sob densa névoa naquele domingo. O asfalto, molhado, apresentava vários pontos de alagamento, por conta da chuva que caiu durante todo o fim de semana. Correr à 300 Km/h com visibilidade zero não seria aceito hoje em dia, mas não significou muito para os dirigentes de então, que apenas retardaram a largada, esperando uma improvável melhora no tempo.

Stewart temeu o pior. Quando o seu chefe de equipe, o lendário Ken Tyrrel, pediu para que ele enfrentasse a pista no treino livre da manhã de domingo, para localizar as temíveis poças d’água, o escocês disse-lhe não. O velho Ken não aceitou tamanha insubordinação e, pela única vez em toda sua carreira, obrigou um de seus pilotos a ir para a pista.

Os verdadeiros rios que atravessavam a pista eram o maior problema, pois poderiam levar um carro a aquaplanar e atingir em cheio uma das inúmeras árvores que circundavam Nurburgring. A visibilidade era tão ruim que nem os oficiais de pista conseguiam ver uns aos outros, tampouco o público podia identificar seus heróis das arquibancadas.

Jackie Stewart

Chegou-se a afirmar nos boxes que JYS abandonaria a prova ainda em seu início, simulando uma quebra, em sinal de protesto. Visivelmente contrariado pelo perigo daquela situação, Jackie alinhou seu Matra na sexta posição do grid. A pole era de Jackie Ickyx, da Ferrari, famoso por sua qualidade sob chuva. Logo atrás vinham Chris Amon, Jochen Rindt, Graham Hill, e uma zebra, Vic Elford, da Cooper.

A bandeirada de largada (é bom lembrar que na época não havia semáforo para dar início a corrida) demorou longos cinco minutos para ser dada, o que superaqueceu muitos motores. Logo após a partida, levantou-se um spray inexpugnável ao redor dos carros, o que apenas reafirmou para Stewart que o único lugar seguro seria a ponta. Com a faca entre os dentes, partiu para cima de seus adversários, cruzando a longa reta de chegada na frente de todos, ainda na primeira volta!

Apesar das dramáticas condições, o homem que viria a ser tricampeão mundial conduziu seu Fórmula 1 com maestria, despachando os adversários volta a volta. Ninguém conseguiu acompanhar seu ritmo, abrindo rapidamente uma vantagem desconcertante para o segundo colocado, Graham Hill.

No final da prova, a chuva realmente desabou, e as condições se tornaram ainda mais complicadas. Conta Jackie que, a três voltas do fim, o carro fugiu totalmente de seu controle após uma curva em “S”, indo em direção de um desafortunado fiscal de pista que perigosamente estava localizado distante de qualquer proteção. O homem ameaçou mergulhar para um lado, depois decidiu pular para outro, até simplesmente congelar de medo diante do bólido que se aproximava. Graças a Deus Stewart recuperou o controle, e o pior foi evitado. Pouco depois, Hill rodou no mesmo ponto, mas o fiscal a essa hora já havia escolhido um lugar mais seguro para acompanhar a prova.

A incrível vitória

A bandeirada trouxe um imenso alívio para Jackie Stewart, após terem sido completadas todas as voltas originalmente programadas. Sem dúvida, foi sua maior conquista; sempre referiu-se a Nurburgring 1968 como sua vitória favorita, justamente a mais difícil de todas as 27 que conquistou. Foi realmente um momento histórico, ainda mais quando se verifica que o segundo colocado chegou apenas 4 minutos depois…

Que grande momento de auto-afirmação para o pequeno escocês! Os críticos baixaram a cabeça para o futuro campeão, passando a ver sua luta por maior segurança nas pistas e melhor proteção para os pilotos com outros olhos.

Debaixo de uma densa neblina, sobre um asfalto escorregadio, Jackie Stewart provou para todo o mundo que prudência não é sinônimo de covardia.

Resultado da corrida de:
1) Jackie Stewart (Matra) 2h 19m 03.2s
2) Graham Hill (Lotus) 2h 23m 06.4s
3) Jochen Rindt (Brabham) 2h 23m 12.6s

Texto: Olavo Bittencourt Neto

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