O GP do Brasil que a F1 vê

terça-feira, 14 de novembro de 2017 às 16:15

GP do Brasil de 2017

Por: Adauto Silva

Na minha última coluna eu disse que o GP do Brasil não tinha favorito, já que Red Bull, Mercedes e Ferrari iam entrar na pista praticamente em pé de igualdade. E numa corrida com seis carros aptos a vencer, costuma ganhar quem cometer menos erros.

Sebastian Vettel ganhou com autoridade. Sim ele confessou ter cometido um pequeno erro na entrada do S do Senna na classificação que lhe custou a pole. Mas depois ele compensou fazendo uma ótima largada e uma corrida impecável. Controlou Bottas atrás como quis mantendo-o fora da zona de DRS e ainda economizou motor para Abu Dhabi. Esse é o Vettel que eu gostaria de ver em todos os GPs da temporada. Simplesmente soberbo!

Jogo dos erros
Mas quais foram os erros que tiraram a possibilidade dos outros cinco candidatos? Comecemos por Hamilton. Ele errou na classificação batendo forte na entrada do Laranjinha e todos nós vimos. O que nós não vimos foi que a Mercedes cometeu um erro no carro dele. Mas então por que ele assumiu o erro? Porque em última instância o erro foi dele mesmo.

Explico.

Todos os carros vão com a altura mínima possível para a classificação. É importante lembrar da palavra “possível” na frase anterior. Cada pista tem uma altura mínima possível, depende das zebras e das pequenas depressões no asfalto. A Mercedes baixou demais o carro de Hamilton e por isso ele bateu o assoalho duas vezes na entrada do Laranjinha, o que o tornou passageiro do carro. Raspar o assoalho na pista é uma coisa, bater com ele na pista é outra (isso te lembra algum acidente famoso?). Mas então Hamilton não devia ter assumido o erro! Devia porque seu engenheiro o avisou momentos antes de ele sair à pista, portanto ele sabia que seu carro estava um pouco mais baixo que o ideal e ele tinha que tomar cuidado principalmente em duas partes da pista. A entrada do Laranjinha era uma delas.

Bottas não errou na classificação e fez a pole por ridículos 0.038s sobre Vettel, o que mostra que aquele erro do alemão de fato custou-lhe a pole.

Kimi não errou. Ele ficou a 0.2s de Vettel porque ele é mais lento mesmo. Um erro pequeno de Vettel não é o suficiente para Kimi batê-lo hoje em dia.

E as Red Bulls? Aí quem “errou” foi a equipe, que vendo motores Renault explodindo a torto e a direito, resolveu ser conservadora no mapeamento e tirou qualquer chance de algum de seus pilotos brigar por pole ou vitória. Na classificação eles foram com mapeamento de corrida e na corrida usaram um mapeamento “conservador”. A Renault precisa melhorar seus motores, ou em 2018 teremos novamente só Ferrari e Mercedes brigando pelas vitórias e talvez deixando algumas migalhas para Red Bull e McLaren.

É importante lembrar que Ricciardo tomou 0.5s Verstappen no Q3 e o placar entre eles em classificação já está 13 x 6 para Verstappen. É muito, é uma surra parecida com aquela que Ricciardo aplicou em Vettel em 2014, quando o australiano meteu 12 x 7 no alemão.

O azar de Massa mais uma vez entrou em cena. Ele tinha feito P5 no Q1 e P7 no Q2. No Q3 Sainz fez o favor de atrapalhá-lo e ele perdeu a melhor volta do pneu. A torcida, que apoiava maciçamente Felipe nas arquibancadas ficou bastante chateada.

A diferença de tocada do Felipe para o Stroll foi motivo de piada no paddock durante a classificação. Ouvi várias, mas a Williams não está nem aí, virou equipe da “casa da Tia Olga” e pronto. Assumiu. Triste.

A corrida
Com Bottas e Vettel fazendo a primeira fila e Hamilton largando em último, esperava-se que um jogo de estratégia entre os dois primeiros definisse o vencedor. Hamilton não teria chances com tempo seco e mesmo se chovesse ele precisaria de alguma sorte para vencer.

Mas estranhamente a Mercedes estava otimista quanto a um pódio para seu campeão. Eu não estava entendendo bem o porquê disso e fui xeretar com um amigo que trabalha lá. É o mesmo que trabalhou na McLaren até 2013, antes de ser contratado pela Mercedes. Em Interlagos era difícil termos alguma privacidade, então marcamos numa churrascaria no sábado de noite. Os gringos amam nossos rodízios de carne regados a caipirinha de pinga, então ele topou na hora.

Ele não foi sozinho. Levou um amigo da equipe e portanto a conversa não teve tudo o que eu queria arrancar dele. Mas deu para saber algumas coisas, como por exemplo o problema da altura do carro na classificação.

Para a corrida eles montaram uma estratégia tipo “tudo ou nada” para Hamilton. Na classificação, a versão 2.0 do motor estava no carro. Mas depois do que aconteceu, a Mercedes montou a versão 3.1 para a corrida que só tinha sido usada em Spa, além de trocar o turbo, MGU-H e câmbio. E liberou o mapeamento mais agressivo para ser usado na corrida inteira. Hamilton teria 15-20 hp a mais durante todo o GP. Seria a primeira vez desde a introdução dos V6 turbo híbridos que a Mercedes iria com potência total por uma corrida inteira. E ainda tinha o fato do inglês largar com os compostos macios que, naquele calor de domingo, faria uma grande diferença.

“Mas o motor vai aguentar?”, perguntei.

“Nossa simulação diz que a probabilidade de aguentar passa dos 90%”, respondeu meu amigo. “O maior problema serão os pneus. O carro é ultra sensível à temperatura dos pneus, principalmente os traseiros. Ele vai ter que cuidar muito deles (os pneus) especialmente depois da troca para os supermacios.”

“Se ele começar a fritar ou derrapar a traseira não vai rolar”, arrisquei comentar.

“Não mesmo”, disse ele. Mas Lewis está em outro planeta, você sabe disso. Uma fritada ou derrapada com os traseiros vai comprometer o pódio. Mesmo assim vai ser no limite. Ele terá que ultrapassar o terceiro colocado (que deve ser Kimi) imediatamente quando chegar nele.”

“Como vocês sabem que o Kimi estará em P3 quando Lewis chegar?”

“Simulação, centenas delas, você sabe. Valtteri e Sebastian estarão disputando a vitória nessas alturas.”

“Valtteri é o favorito?”

“Espero que sim. Mas vai depender da largada e da parada para a troca. Se nenhum deles errar vai ser muito difícil uma ultrapassagem na pista, praticamente impossível.”

“Mas se vocês esperam que Lewis chegue no pódio largando do box, Valtteri vai vencer largando da pole”, me indignei.

“Adauto, 20 hp em carros exatamente iguais é muita diferença. E ainda tem os pneus. Valtteri e Lewis terão corridas completamente diferentes.”

“Claro que sim. E vocês não podem colocar o mesmo motor no Valtteri porque ele seria punido e largaria lá atrás também.”

“Exatamente. Isso tiraria qualquer chance do vice pra ele. Mas você não pode publicar nada disso até segunda-feira, combinado?”

“Claro, pode confiar.”

“Sei que posso”, disse olhando para o amigo dele, que nessas alturas já estava na terceira ou quarta caipirinha e prestava zero atenção na nossa conversa.

Então está explicado, meu caro leitor. A corrida de Bottas foi boa sim, seu único erro foi na largada. A Mercedes parou Bottas antes para tentar um undercut desesperado, mas a Ferrari não caiu.

E como você pode ver, os caras sabem praticamente tudo que vai acontecer na corrida. A única coisa que lhes escapa é o inesperado, alguém que faça algo diferente, algo não previsto nas centenas de milhares de simulações que eles têm. É como um plano de voo. O piloto segue aquilo e faz ou não a diferença quando algo fora da casinha acontece. É por isso que eles dizem que pelo menos 50% de um piloto fora de série é sua força mental, seu raciocínio rápido, sua confiança.

Hamilton fez a corrida que a Mercedes esperava e não conseguiu o pódio porque estava calor demais e os pneus traseiros superaqueceram no final, além daquela fritada nos dianteiros que, se não comprometeu tanto, também não o ajudou a ter uma segunda tentativa de ultrapassar Kimi. Aliás, Kimi também teve méritos, já que ele estava ligado que precisa fazer o Mergulho e a Junção de forma perfeita para não dar chances a Hamilton na reta do box.

Felipe Massa, o cara
O que me deixou muito satisfeito foi a performance de Felipe Massa em seu último GP do Brasil. Lutou praticamente a corrida inteira contra ninguém menos que Fernando Alonso e, sabendo que não podia cometer um errinho sequer, aguentou o tranco andando no limite do carro sem detonar os pneus e aproveitando a fraqueza do Honda de Alonso nas retas.

É uma pena que Felipe esteja se despedindo da F1. Ele ainda tem muito respeito de todo o paddock e ainda é um piloto melhor que todos seus concorrentes para a vaga na Williams. Fora os Deuses Emerson, Piquet e Senna, Rubens e Felipe mantiveram por muitos anos o respeito e admiração de seus pares e da esmagadora maioria da torcida.

Conte quantos brasileiros e estrangeiros passaram pela F1 sem deixar saudades em ninguém e torna-se muito fácil valorizar as inúmeras conquistas de Felipe. Ele é fera, ele ainda é fera.

Obrigado, Felipe!

Adauto Silva
Leia e comente outras colunas do Adauto Silva

AS - www.autoracing.com.br

Tags
, , , , , , , , , ,

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.