O GORILA SABE NADAR – Vittorio Brambilla, Austria 1975

sexta-feira, 19 de novembro de 2010 às 13:24
Vittoria Brambilla

Vittorio Brambilla era famoso tanto por ser um tremendo boa praça quanto por sua capacidade de destruir carros. Esse rotundo italiano meteu-se em encrencas com quase todos os grandes pilotos de sua época, justamente quando vislumbrava solitariamente pontos de ultrapassagem que não existiam. Isso lhe valeu o apelido pejorativo de “O Gorila de Monza”. Uma grande quantidade de lendas cerca Brambilla, mas a maior de todas aconteceu de verdade; sim, ele venceu um GP de F-1.

A temporada de 1975 presenciou um confronto direto entre dois dos maiores pilotos da história; Niki Lauda, com sua Ferrari, lutou por seu primeiro título diretamente contra o brasileiro Emerson Fittipaldi, já bicampeão do mundo. No meio desse combate, pulularam surpresas ocasionais, como José Carlos Pace em sua Brabham, Jodi Schekter da Tyrrel e James Hunt da Hesketh, que conquistaram vitórias inesperadas. Mas nenhum resultado foi tão inesquecível quanto a vitória de Brambilla e sua March na Áustria.

Vittorio Brambilla

Lauda queria porque queria vencer em casa, e deu tudo de si nos treinos livres, conquistando a pole position. Brambilla conseguiu um razoável oitavo lugar no grid, demonstrando a evolução de seu March laranja. O carro podia não ser bom o suficiente para ganhar um campeonato, mas era bem melhor do que seus predecessores. Tanto isso é verdade que Brambilla largou na pole no GP da Suécia, e liderou por algumas voltas na Bélgica, até desaparecer no meio da prova. Na Áustria, o March que largou mais à frente foi a de Hans Stuck, em quarto lugar. Porém uma tragédia atingiu a equipe no domingo pela manhã.

Mark Donohue

A jovem promessa norte-americana Mark Donohue sofreu um terrível acidente no warm up. O piloto foi retirado com vida dos destroços, mas o ambiente no circuito ficou bastante pesado. Infelizmente, na segunda-feira após a prova Donohue faleceria, devido aos ferimentos.

Todo o circo da Fórmula 1 sentiu aquela batida. Donohue era tido como a maior promessa dos EUA desde Mario Andretti, que por sinal era seu amigo pessoal. O guard-rail destruído teve que ser reparado, atrasando a largada. Então São Pedro pregou uma peça…

As nuvens negras circundaram o autódromo durante todo o final de semana, mas a chuva teimava em não cair. Na verdade, a corrida escaparia da chuva se acontecesse no seu horário previsto, mas a demora permitiu que a largada fosse dada debaixo do maior temporal.

Lauda apostou num acerto híbrido e começou a sofrer as conseqüências logo no início da prova. A liderança aberta pelo austríaco foi desaparecendo à medida que as condições pioravam. Mais atrás, dois pilotos davam um verdadeiro show: James Hunt e Vittorio Brambilla compensaram a fragilidade de seus carros com um acerto para chuva forte e uma tocada alucinante. Hunt vinha na frente, com Brambilla logo atrás, procurando uma brecha para passar.

A torcida no Osterrechring sacudia seus guarda-chuvas e levantava das arquibancadas encharcadas na expectativa de Brambilla fazer uma das suas e levar Hunt para fora da pista. A batida parecia tão iminente que até um dos então donos da equipe March, o hoje todo poderoso chefão da FIA Max Mosley, pressentiu o pior.

Ambos os pilotos passaram por Lauda na volta 15 e iniciaram um duelo emocionante pela vitória. A veloz pista austríaca ficava a cada volta mais perigosa. Os retardatários apresentavam um risco extra, mas não para Brambilla. Quando Hunt partiu para dar uma volta em Brett Lunger, o Gorila deu o bote, passando os dois carros de uma só vez! Lunger, na tentativa de se manter na pista, acabou atrapalhando Hunt, que ficou preso por quase duas voltas enquanto Brambilla disparava na frente.

A direção da prova percebeu que as condições da pista estavam perigosas demais. Os donos de equipe sugeriram que a prova fosse interrompida, reiniciando-se após a chuva dar uma trégua. No entanto, os cartolas decidiram terminar a corrida imediatamente, na volta 27, ou seja, antes de serem completados 60% do previsto. Dessa forma, os pontos valeram pela metade.

Entrando para a história

Brambilla contornou a última curva a toda, patinando nas quatro rodas, e percebeu bem de longe o fiscal pronto para agitar a bandeira quadriculada. Não conseguia acreditar! Depois de tantos anos sendo chamado de braço duro, de zarolho e de navalha, lá estava ele, pronto para alcançar a glória! Depois de ter trocado empurrões com Emerson Fittipaldi (para Brambilla, foi apenas uma “conversa”), de ter feito seus mecânicos trabalharem noite à dentro para consertar seus carros esmigalhados, de ter enfrentado todas as barras para chegar ao automobilismo quase quarentão, de ter superado sua origem humilde, enfim a vitória!

Ninguém nos boxes acreditava que numa corrida tão difícil Brambilla não havia cometido um único erro, estando prestes a conquistar uma vitória irrepreensível.

Envolvido pela emoção, o Gorila agitou os braços freneticamente, largando do volante. O March laranja passou por uma poça logo após cruzar a linha de chegada, indo direto para o guard-rail. POW! A batida foi tão forte que pode ser ouvida em toda reta dos boxes. O bico ficou seriamente avariado e as rodas, desalinhadas, mas o motor não morreu. Brambilla fingiu que nada havia acontecido e deu sua volta da vitória acenando para os fans normalmente, se é que pode ser considerado normal passear com um F-1 semi-destruído comemorando um primeiro lugar improvável.

Entrando para a história

O ex-mecânico levou toda a turma do box da March à loucura. Alegria geral nas arquibancadas também, mas na sala de imprensa todos se entreolhavam. Afinal, acreditar numa vitória de Brambilla antes do início da prova era virtualmente impossível. O triunfo do anti-herói foi, sem dúvida, um dos momentos históricos do automobilismo.

Vittorio Brambilla faleceu em 2001, aos 64 anos, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Porém, seu feito não será esquecido. O bico destroçado de seu March laranja continua em exposição no alto da parede de sua oficina, a poucos metros da curva parabólica de Monza. É ver para crer.

Autor: Olavo Bittencourt Neto
e-mail: oobn21@hotmail.com

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