MotoGP – Rescaldo de Valência

segunda-feira, 13 de novembro de 2017 às 18:00

Imagem: MotoGP.com

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Pelos registros históricos da revolução de 1930, a cidade de Itararé localizada na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná foi tomada pelas tropas de Getúlio Vargas sem que um só tiro tenha sido disparado. O desempenho heroico em um evento fictício, uma batalha que não houve, foi apropriado pelo escritor e humorista Apparício Torelly para outorgar a si próprio um título de nobreza, o Barão de Itararé. Uma frase atribuída a este autor pode ser aplicada ao capítulo final da temporada de 2017 da MotoGP, “Quando menos se espera, nada acontece”.

A equipe Ducati e o piloto Andrea Dovizioso ansiavam por uma série de eventos improváveis para ter alguma chance de alcançar o título. Embora não seja sábio apostar contra a lei das probabilidades, a mídia especializada promoveu a etapa utilizando frases de efeito e não raro os locutores e comentaristas utilizaram jargões como “Nunca diga nunca” ou “Tudo pode acontecer”. Em relação à espera de um evento milagroso, o Barão de Itararé também escreveu: “Se a montanha não vai a Maomé, o mais sensato é Maomé desistir da temporada na serra”.

Muito já foi comentado sobre a última etapa da MotoGP 2017, entretanto uns poucos itens merecem ser mencionados:

A pista
O Circuito Ricardo Tormo, que tradicionalmente hospeda a prova final das temporadas de MotoGP está localizado próximo a Valência, principal cidade da comunidade autônoma de Cheste, na Espanha. O traçado tem 4 variantes possíveis e é qualificado pelos critérios da FIA como categoria 2, pode acomodar todos os tipos de eventos motorizados à exceção de provas da Fórmula 1. A configuração utilizada pela MotoGP tem 4 km de extensão, sentido anti-horário e contém 14 curvas, 9 para a esquerda e 5 para a direita. O seu projeto de arquitetura privilegiado permite acomodar 120.000 espectadores, todos com ampla visão da pista. Para os competidores uma das principais características do traçado é o longo trecho entre as curvas 13 e 4, no qual a moto fica apoiada sobre o centro e borda esquerda do pneu. A curva 4 à direita, que exige o apoio no lado frio dos Michelin, conhecidos por operar com uma janela estreita de temperatura, é um dos pontos críticos do circuito.

O recorde que não é recorde
Os bancos de dados da MotoGP indicam a pole conseguida por Márquez em Valência como a 73ª de sua carreira, um recorde absoluto na história da competição. Há controvérsias. A FIM reconhece 3.042 GPs disputados, incluindo todas as classes (50cc, 80cc, 125cc, 250cc, 350cc, Moto3, Moto2 & MotoGP), entretanto só há registros de poles em provas realizadas a partir de 1974. Antes deste ano não haviam procedimentos regulamentados para definir a ordem de partida ou distribuição no grid, critérios como sequência de inscrição e até idade dos condutores chegaram a ser utilizados. Não tem muita lógica o fato de que o maior recordista da MotoGP, Giácomo Agostini, com 122 vitórias tenha registrado apenas 9 poles.

Ordens da Equipe
Andrea Dovizioso e a Ducati insistem que não estão incomodados por Jorge Lorenzo ignorar as seguidas sugestões de permitir que o companheiro de equipe, até então candidato ao título do ano, o ultrapassasse. É altamente improvável que houvesse alguma alteração no resultado, porém no pós-corrida a mídia italiana massacrou o piloto espanhol. Durante o transcorrer da prova a Ducati enviou diversas mensagens para o painel de controle de Lorenzo sugerindo o “Mapeamento 8”, um código para trocar de posição com o companheiro na pista. Após vários pedidos não atendidos, foi apresentada uma placa no muro dos boxes com “Dovizioso -1” e uma seta amarela para baixo. Nada adiantou.

Lorenzo informou que recebeu as mensagens, porém tinha um desempenho melhor que Dovizioso e estava tentando rebocá-lo até as Honda e a Yamaha que lideravam. O espanhol insistiu que teria facilitado a vitória do colega caso Márquez tivesse algum percalço, como quase aconteceu na volta 23 quando o piloto conseguiu salvar um quase acidente com o cotovelo, saindo da pista e caindo da terceira para a quinta colocação. Logo depois Lorenzo e Dovizioso caíram.

Apesar do aparente ‘”o que este cara está fazendo” flagrado pelas câmeras de TV durante a corrida, o diretor esportivo da Ducati, Paolo Ciabatti, disse que as mensagens de modo algum eram uma ordem da equipe. O próprio Dovizioso esclareceu que a estratégia de Lorenzo era a melhor a ser aplicada, e o seguir na pista contribuiu para andar mais descontraído. “Era a melhor maneira de ambos chegarem aos líderes, infelizmente excederam o limite de possibilidades do equipamento. Dovi e Lorenzo estavam conformados no box, sem clima de animosidade. Temos que dar crédito para pilotos profissionais que sabem o que estão fazendo” – complementou o diretor da equipe.

Se o clima no box da Ducati era de comemoração pelo bom desempenho na temporada, a mídia italiana reagiu indignada. Alguns profissionais da imprensa, que imaginam que o universo do esporte gira em torno de Valentino Rossi, publicaram com estardalhaço a versão que Lorenzo havia retribuído a Márquez o campeonato de 2015.

Campeão de quedas
No mundial deste ano Marc Márquez registrou, em eventos oficiais (FP1, FP2, FP3, FP4, Q1, Q2, Warm Up & Provas) relacionados com as 18 etapas, um total de 27 quedas. Este número excessivo permite supor que haja algum tipo de método nestas ocorrências. Durante o Q2 da prova de Valência, Márquez marcou um tempo excelente em sua primeira incursão na pista. Após trocar pneus, o piloto conversou com Santi Hernandez, seu chefe de equipe e foi informado que o pneu traseiro alcançou a janela de temperatura operacional (ideal) mais rápido que o dianteiro. O engenheiro informou não poder ajudar sobre quantas voltas eram necessárias para ter os dois pneus na melhor condição. Márquez voltou à pista disposto a descobrir, caiu na segunda volta. Por sorte seu tempo inicial foi suficiente para garantir a pole.

Importância de Pedrosa
Livio Supo, o principal executivo da HRC, em uma entrevista para a BT Sports depois da prova enalteceu a permanência de Dani Pedrosa na equipe. Além de um excelente entendimento com Márquez e Crutchlow, Pedrosa é um recurso extremamente útil para os engenheiros de desenvolvimento. O mais longevo piloto em uma mesma equipe, a Repsol-Honda desde 2006, Dani Pedrosa em todos estes anos contabilizou pelo menos uma vitória por temporada. Sua compleição física reduzida o prejudica em condições adversas de clima e, embora seu estilo seja diferente de Márquez, é um piloto competente e confiável, como comprova a vitória de Valência.

O risco Zarco
Em uma prova onde um acidente poderia pôr tudo a perder, Marc Márquez confessou sua preocupação por dividir a primeira fila com Iannone e Zarco, dois pilotos “sanguíneos”, sedentos por vitórias. A estratégia do campeão do mundo foi traçada com antecedência, largaria pelo centro da pista permitindo caminho livre para Pedrosa, que estava imediatamente atrás. A ideia era abrir o máximo possível correr risco zero com o tráfego. Quando percebeu a aproximação da Yamaha de Zarco, permitiu a ultrapassagem para não complicar. Andar comboiando o piloto francês revelou-se uma má estratégia, além de ser mais rápido Márquez começou a perder a concentração e cometer erros estúpidos, então esperou uma ocasião adequada e o ultrapassou. Zarco brigou pela posição, foi agressivo e temendo pela proximidade entre as motos, o piloto da Honda cometeu um erro grave na curva 1. Foi um “momento difícil”, a insistência de Johann Zarco o forçou a um erro que quase o colocou fora da corrida final do mundial.

Motivação política
Durante muitos anos Ayrton Senna resgatou a autoestima dos tupiniquins desfilando com uma bandeira do Brasil em comemoração às suas vitórias. Marc Márquez é natural de Cervera, mas tem residência oficial (e fiscal) em Andorra, um pequeno país localizado entre França e Espanha, que faz fronteira com a Catalunha. O piloto costumava fazer a volta triunfal com uma bandeira espanhola. As rígidas restrições da Dorna proíbem manifestações políticas e, por ser um separatista convicto, Márquez agora desfila com uma bandeira vermelha, com o número 93.

Salvamentos
O controle que Marc Márquez exerce sobre a sua máquina é absurdo, diversas ocasiões situações extremas foram recuperadas. Nesta temporada ele saiu da pista e invadiu a gravilha em Sachsenring, conseguiu retornar e vencer a prova. Em Valência errou na curva 1, evitou a queda na pista com o joelho e cotovelo, controlou o equipamento na brita e voltou para pista perdendo apenas duas colocações. Em condições muito semelhantes, Dovizioso caiu e abandonou a prova. Um comentário do locutor da BT Sports britânica que narrou a prova é definitivo, ele mostrou dúvidas em relação a Lorenzo e foi muito positivo dizendo que se Dovizioso tivesse a habilidade de Márquez teria concluído a prova.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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