MotoGP – Prognósticos & Realidade

quinta-feira, 7 de abril de 2016 às 11:11
MotoGP na Argentina 2016

MotoGP na Argentina 2016

O adágio popular “A voz do povo é a voz de Deus” normalmente não se aplica quando existem tecnologias e emoções envolvidas. Antes da abertura de uma temporada com tantas mudanças, dois pontos eram consenso nas opiniões da mídia que acompanha a MotoGP: a concepção simplista do controle eletrônico da Magneti Marelli e a aderência menor dos pneus Michelin contribuiriam para redução de velocidade e equalização das disputas na pista, privilegiando pilotos com uma condução menos afoita, mais limpa. Durante os testes pré-temporada os contínuos e consistentes resultados indicavam a dobradinha Yamaha/Jorge Lorenzo como “Pule de Dez”, provavelmente os “aliens” (Suzuki, Ducati) poderiam protagonizar alguns brilhos efêmeros e talvez a mística de Valentino Rossi produzisse sobressaltos, mas o título já tinha endereço garantido.

E as Honda?

Na pré-temporada a RC213V não se entendia com o pacote eletrônico, estranhava o comportamento dos pneus e padecia da variação caótica da potência do motor. Nas entrevistas, os pilotos da equipe de fábrica, Marc Márquez e Dani Pedrosa, endereçavam múltiplos problemas, sempre com um contido otimismo. Cal Crutclow, da satélite LCR e uma das vozes mais autênticas do grupo de pilotos lamentava sua sina, desde que trocou uma carreira vitoriosa no Mundial de Superbike (WSBK) e no Campeonato Britânico de SuperBike (BBS) nunca conseguiu ter uma moto vencedora (Tech3 Yamaha entre 2011 e 2013, Ducati em 2014 e LCR Honda desde 2015).

Com a primeira prova da temporada, que coincide com o lacre dos motores para 2016, aparentemente houve a comprovação geral dos prognósticos. Para os mais afoitos, a performance perfeita de Lorenzo com a pole, melhor volta e bandeirada em primeiro lugar era a confirmação de tudo o que fora previsto. Entretanto os comentários dos pilotos pós-prova e a análise dos números finais projetaram um outro quadro para a competição. Lorenzo abriu escassos 2,019s da Ducati de Andrea Dovizioso e apenas 2,287s da Honda de Márquez. Mais, a prova foi 7s mais rápida que a da temporada passada. Valentino Rossi declarou em entrevistas ao final que não encontrou dificuldades para acompanhar a Honda 93, mas nunca houve uma possibilidade real para tentar ultrapassagem.

A caravana da MotoGP, que cruzou o Atlântico em direção as Termas do Rio Hondo na Argentina, levou na bagagem uma dúvida. De onde a HRC tirou o inesperado desempenho de Marc Márquez no Catar. A performance de Pedrosa, distante mais de 14s, e as Estrella Galicia de Jack Miller e Tito Rabat com mais de 40s de atraso se encaixavam no script de problemas da Honda, Cal Crutchlow com a LCR não completou a prova.

A prova da Argentina foi caótica. Um incidente com Scott Redding no último treino livre provocou duas bandeiras vermelhas, uma para limpar a pista e outra porque os técnicos da Michelin ficaram indecisos em função da peculiaridade e risco de reincidência do problema, o pneu simplesmente “descascou”. Para as tomadas de tempo foram utilizados compulsoriamente os compostos mais duros e, mesmo com uma queda na tentativa final, Marc Márquez conquistou a pole. O ambiente dos bastidores não foi nada tranquilo, incerteza do clima (previsão de chuva), disse-não-disse dos contratos que terminam no final do ano e uma suposta oferta indecorosa que a Ducati teria feito para tirar Lorenzo da Yamaha somavam-se à indefinição dos pneus. Enquanto os pilotos deviam estar concentrados para a prova do dia seguinte, uma miríade de distrações e indefinições frequentava o paddock.

A Michelin impôs a sua decisão, a principal suspeita sobre a origem do problema do pneu sinistrado recaiu sobre seu processo de fabricação, que é comum aos dois tipos de compostos disponibilizados para a prova. As unidades originalmente fornecidas não garantiam a segurança dos pilotos, foram substituídas, foi criado um treino extra para recalibrar a moto e a prova foi encurtada para vinte voltas (eram 25) com troca obrigatória de equipamentos entre as voltas 9 e 11.

A determinação da Michelin foi corajosa, tecnicamente irrepreensível e alinhada com um dos preceitos fundamentais da MotoGP, zelar pela segurança dos pilotos, ainda assim houveram reclamações. Os pilotos da Tech3, Bradley Smith e Pol Espargaro mencionaram que a decisão da direção de corrida em alterar a estrutura da prova favoreceu os oito pilotos com Ducati no grid. Smith comentou que toda a preocupação era referente ao pneu traseiro (sinistrado) de Scott Redding, enquanto ele entendia que a pouca aderência do pneu dianteio era era uma questão mais premente. Reduzir a corrida cancela a principal vantagem das Yamaha, resistência e consistência nas últimas voltas. Na opinião de Smith “As circunstâncias da corrida favoreceram um fabricante que parecia ter problemas”. O piloto britânico concluiu: “As motos estavam muito complicadas de pilotar devido ao comportamento errático do pneu dianteiro, como nenhum explodiu, não foi considerado uma questão de segurança”. Por último, mas não menos importante, na hora da largada embora a pista ainda apresentasse manchas de humidade a corrida não foi declarada como “Wet Race”.

O que se viu durante a corrida merece uma análise mais detalhada. Nove dos 21 pilotos que largaram caíram durante a prova, um deles, Andrea Dovizioso, classificou-se em P13 empurrando a sua Ducati até a bandeirada final, depois de ter sido abalroado pelo colega de equipe Andrea Iannone próximo à linha de chegada. Um dos que sucumbiram à pressão do paddock e não conseguiram foco suficiente para manter o equilíbrio da moto na pista foi o campeão Jorge Lorenzo.

O espetáculo, entretanto, não ficou restrito às tradicionais ultrapassagens em disputas de posições (houve uma antológica de Dovizioso sobre Iannone e Rossi). O que os afortunados espectadores e telespectadores testemunharam durante a prova foi a reinvenção de um estilo de pilotagem, a adaptação de uma técnica utilizada em 2013 e 2014 no bicampeonato de Marc Márquez, diametralmente oposta aos prognósticos do início do ano que previam vantagens para uma condução limpa.

Na Argentina a moto 93 entrava escorregando de lado nas curvas e saia literalmente corcoveando, enlouquecida, porém incrivelmente rápida. A técnica utilizada por Márquez foi forçar a derrapagem do pneu traseiro para reduzir a carga no dianteiro, que ficava “solto”, concentrando todo o grip no pneu de tração para retomar a velocidade mais rápido. A frente ficava instável, ensandecida, e quem teve a oportunidade de ver imagens em “slow motion” observou em detalhe o exaustivo trabalho do piloto.

Embora Dani Pedrosa e os pilotos satélites ainda não tenham conseguido bons resultados (o 3o lugar de Pedrosa na Argentina foi obtido mais por quedas de concorrentes que por méritos próprios), é evidente que esta RC213V que está nas pistas é muito melhor que as que começaram a pré-temporada. A Honda obteve muito sucesso com um software proprietário, um motor potente e os antigos pneus Bridgestone, por isto era previsível que tivesse maior dificuldade em adequar-se a um ambiente mais singelo. A capacidade técnica dos engenheiros facilitou a transição que Shuhei Nakamoto, manager da HRC, classificou como evolução para o passado. Segundo suas palavras, as condições de gerenciamento do motor voltaram ao nível de dez anos atrás.

Os resultados nas pistas até agora comprovam que os prognósticos pré-temporada devem ser revistos, principalmente sobre como as características dos pilotos interagem com o pacote de eletrônica e a maior ou menor aderência dos pneus. Mais de 1.740 dias nos separam da última vitória de um piloto estranho às equipes de fábrica da Honda e Yamaha, nada indica que num curto prazo esta situação seja alterada.

O circuito de Austin, do GP das Américas, deve ser o palco adequado para comparar a condução correta e elegante de Jorge Lorenzo e a alucinada, porém eficiente, de Marc Márquez. Valentino Rossi deve permanecer fiel ao seu estilo de predador, aguardando a hora exata do ataque. Dani Pedrosa e sua RC213V ainda não estabeleceram um idioma comum, pura e simplesmente não se entendem. Vinales e a Suzuki (onde anda o Aleix Espargaro?) dos testes pré-temporada continuam como promessas, e a Ducati padece de um problema gerencial, os dois pilotos sabem que pelo menos um será rifado ao final da temporada e ambos precisam mostrar serviço.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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