MotoGP – O que esperar do software unificado

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016 às 13:14
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ECU da Magneti Marelli para a MotoGP

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

MotoGP é um mundo à parte.

Embora nas três últimas temporadas o ponto mais alto do pódio tenha sido ocupado por apenas quatro pilotos (Marc Márquez 24 vezes, Jorge Lorenzo 17, Valentino Rossi 7 e Dani Pedrosa 6), as disputas na pista sempre foram acirradas e em cinco das dezoito corridas de 2015 a diferença entre o primeiro e o segundo colocado foi menor que um segundo. O ambiente é sempre de alta competitividade, mesmo entre pilotos da mesma equipe.

Na MotoGP as corridas são disputadas na pista, metro a metro, sem estratégias de equipes para privilegiar um ou outro piloto.

Parte dos méritos da popularização da MotoGP deve ser creditada a administração do campeonato, onde as entidades organizadoras (FIM & Dorna Sports) não são permeáveis a pressões dos fabricantes.

O regulamento de 2016, aprovado no início de 2015, trouxe novidades principalmente na área de gestão eletrônica da moto, com o uso obrigatório de hardware e software padronizados.

Em 2013, no GP de Aragon, em uma disputa de posições as motos de Marc Márquez e Dani Pedrosa tiveram um pequeno contato na pista. Alguma parte da máquina de Márquez cortou o cabo de um sensor da roda traseira do equipamento de Pedrosa, parte do sistema eletrônico de distribuição de energia. Sem ele a moto é impossível de dirigir. Com o controle de tração desativado, quando Pedrosa acionou o acelerador o motor descarregou uma quantidade absurda de energia na roda traseira e causou a queda do piloto. Este fato ilustra a importância da eletrônica na MotoGP, justamente uma das grandes mudanças no regulamento técnico para 2016.

A temporada de 2016 na Moto GP apresenta como principal novidade uma especificação padronizada do sistema eletrônico, desenvolvido pela Magneti Marelli. A introdução de uma especificação única está gerando muitas dúvidas, porque poucos tem uma ideia clara sobre qual o papel da eletrônica nas motos de competição, incluindo aficionados, mídia e até alguns pilotos. Nas duas últimas temporadas houve uma intensa negociação entre fabricantes, Dorna e Magneti Marelli em busca de um compromisso aceitável por todas as partes. As negociações das especificações para o hardware e software que regulam o funcionamento das motos de competição para a temporada de 2016 convergiram para um consenso.

A proposta original, uma especificação única como foi utilizada para as motos da classe Open em 2015 recebeu inúmeras objeções dos fabricantes, porque as equipes que o utilizaram reportaram comportamentos erráticos no hardware dos sensores. Houve casos em que os giroscópios de medição de ângulos de inclinação reportaram medidas com erros grosseiros. No regulamento atual o hardware para todas as motos é basicamente o mesmo utilizado nas motos de fábrica de 2015, ou seja, a especificação da unidade central (equipamento que recebe informações dos sensores, e controla as saídas, tais como tempo de ignição ou consumo de combustível) é compulsória, o resto do conjunto não será controlado. Todos os sensores devem ser submetidos para homologação e só podem ser utilizados se aprovados pela diretoria técnica da Dorna. Painel de instrumentos, quadro de distribuição e plataforma inercial, que foram obrigatórios para os pilotos da classe Open em 2015 serão opcionais no cenário de software unificado.

Os motivos para os fabricantes serem autorizados a utilizar os seus próprios sensores foram contratos de longo prazo já existentes com fornecedores e a confiabilidade adquirida por estes equipamentos. Os dados coletados pelos sensores são idênticos, entretanto fabricantes depositam maior confiança na qualidade dos produtos desenvolvidos por seus parceiros comerciais. A unidade central de eletrônica – ECU – da Magneti Marelli utiliza padrões industriais para conectores de entrada e saída e não são esperadas incompatibilidades no processo de homologação.

Nas edições anteriores do campeonato de MotoGP houve alguma controvérsia sobre o uso de plataformas inerciais, um conjunto de sensores que utilizam giroscópios e acelerômetros para controlar a resposta da moto na aceleração, ângulo de inclinação e mudança de centro de gravidade na frenagem ou retomada de velocidade. O uso deste recurso não era divulgado abertamente e o novo regulamento exige maior transparência. Todos os sensores, incluindo plataforma inercial, têm de ser homologados pela Dorna e estarem disponíveis para todas as equipes que o desejarem. Por exemplo, o sensor de torque utilizado pela Honda em sua roda traseira também deve ser homologado e disponibilizado para outras equipes. A Honda tem que homologar a lógica da ECU para gerenciar o sensor de torque, permitindo que outras equipes tenham acesso a este mesmo recurso. A saída da ECU, entretanto permanece não regulada. Módulos, controladores, ignição, tudo é livre, as fábricas podem optar qualquer tipo de injetor, bobinas de ignição, bombas de combustível e outros reguladores. Como o software unificado controla as saídas do ECU, a ação de dispositivos de injeção e ponto de ignição tem menor impacto do que os sensores.

A Magneti Marelli divulgou as características do harware da ECU, chamada de o AGO 340 ECU. Dois processadores centrais PowerPC, 32 bits, 264 MHz gerenciam entradas e saídas analógicas ou digitais, barramento CAN e um processador dual core de 32 bits, 800 MHz que gerencia o software, controla o comportamento da moto e gera relatórios de controle. O equipamento tem capacidade para administrar até 1024 canais, amostrando sinais entre 1 Hz e 1 kHz, até um total de 8 GB de dados.

O pacote básico utilizado pela maioria dos fabricantes tem em média de 26 sensores, incluindo posição do acelerador, esforços mecânicos que a suspensão é submetida, controle de válvulas pneumáticas, acelerômetros, temperatura, tensão elétrica e a plataforma inercial (6 acelerômetros e 6 giroscópios).

A verdadeira magia da eletrônica está em como o software é utilizado para registrar o comportamento da moto. Controle de tração, mudança de centro de gravidade, freio motor, energia disponível, todas estas informações são manipuladas por um programa escrito por engenheiros da Magnetti Marelli e residente na ECU. Até 2015 os fabricantes desenvolviam seus próprios programas e tinham grande controle sobre o comportamento da moto. Os engenheiros eram livres para escolher os sensores que acreditavam ser relevantes, combinar e manipular estas entradas da maneira mais conveniente para, por exemplo, controlar potência do motor e torque. O software de cada fabricante explorava características específicas de cada máquina, escolhendo os sensores mais relevantes e manipulando os dados para obter soluções mais adequadas para o seu projeto mecânico. Um fabricante podia utilizar sensores nos garfos dianteiros para medir sua extensão e influência no controle de potência. Outro podia centrar esforços a partir de informações de giroscópios e acelerômetros para identificar em que condições o centro de gravidade muda da dianteira para a traseira. A complexidade e especialização deste software fornecia subsídios importantes para indicar ao piloto o que deve fazer para obter o maior rendimento em competições.

Esta vantagem das equipes com maior orçamento desaparece com o novo regulamento. Todas as motos alinhadas para a largada na próxima temporada vão utilizar um software unificado, pacote baseado no que foi utilizado pela classe Open em 2015, com contribuições dos principais fabricantes, Yamaha, Honda e Ducati. O acordo ratificado em um documento da FIM, prevê que o software utilizado pela classe Open vai ser portado para a nova plataforma e, em termos práticos, implica que as todas as estratégias serão centradas na administração do torque, não na aceleração, aumentando a importância de um bom projeto de motor. As estratégias de software são iguais para todos os competidores, como foi na classe Open em 2015.

A opção por um sistema baseado em torque é uma melhoria expressiva, O software das motos da classe Open em 2015 utilizou um sistema que coletava dados da abertura do acelerador e número de rotações do motor (RPM). O controle do motor era muito simplista e tendia a ter reações lentas. Fatores como a carga do motor eram negligenciados e o sistema tinha comportamento reativo, a ECU comandava o fechamento das borboletas do acelerador para controlar a potência e o motor levava alguns milissegundos para responder.

O sistema padronizado baseado em torque é muito mais eficiente para controlar a moto. A ECU utiliza um modelo teórico do motor armazenado na sua memória e sabe o quanto torque (potência de aceleração/desaceleração) o motor pode fornecer em qualquer conjunto específico de condições. Quando o piloto aciona o acelerador, a ECU utiliza a informação para calcular a quantidade de potência que o piloto está solicitando. Para um observador externo é difícil perceber, mas uma mesma abertura de acelerador resulta em comportamentos distintos para vencer um aclive ou percorrer uma longa reta. O objetivo do sistema baseado em torque é fornecer resposta consistente do acelerador para o piloto ao invés de forçá-los a descobrir como o motor responde sob condições variáveis.

A mudança para um modelo centrado em torque atende a uma demanda dos fabricantes mais importantes e contou com subsídios da Ducati, Honda e Yamaha. Não há sobreposição de responsabilidades, os engenheiros da Magneti Marelli escrevem e implementam o software e as fábricas oferecem sugestões para aprimorar a sua funcionalidade. O campeonato de 2016 não contempla espaço para versões ou soluções caseiras, vai trabalhar com um único conjunto de software, capaz de lidar com vários layouts e configurações de motor. O pacote já foi testado exaustivamente em simuladores e os testes de pista iniciaram no dia seguinte da final da temporada 2015, na própria pista de Valência.

Uma reclamação recorrente das equipes menores era que a otimização do software exigia capital, tempo e esfôrço intelectual, recursos extremamente escassos na classe Open. Com software unificado o trabalho das equipes privadas deve ser inicialmente mais fácil porque parte do pacote já contempla uma moto com uma base boa configuração. As motos independentes serão mais próximas das equipes oficiais de fábrica.

Dez anos atrás Toni Elias venceu Valentino Rossi no circuito de Estoril por escassos 0.002 segundos, foi a última vez que uma equipe independente conseguiu triunfar em uma prova do MotoGP. A perspectiva de equilibrar as forças entre equipes oficiais e independentes ainda é remota, agora entre fábricas a disputa tende a ser mais acirrada. Se as equipes oficiais perdem a vantagem de um software dedicado, continuam a ter os recursos contratar os melhores profissionais, ter uma infraestrutura melhor e executar inúmeras simulações que optimizem o software para cada pista de corrida e cada piloto, entretanto estas vantagens devem teoricamente reduzir reduzir as diferenças na pista de segundos para décimos de segundos.

Só o futuro pode confirmar se a MotoGP vai ser mais equilibrada.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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