MotoGP – Interferência Extra-Pista

terça-feira, 31 de outubro de 2017 às 13:15

Lorenzo – Ducati – Sepang 2017

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Em 1956 o então tricampeão argentino de Fórmula 1 Juan Manuel Fangio trocou a Mercedes, equipe em que conquistou os títulos de 1954 e 1955, pela Ferrari. Na prova de abertura da temporada realizada no circuito de Buenos Aires o carro de Fangio sofreu uma pane mecânica, a equipe mandou o piloto um dos carros Ferrari ceder o lugar para o argentino, procedimento permitido pelo regulamento da época, que venceu a corrida. Este exemplo mostra a linha de raciocínio dos gestores italianos de equipes em competição, independente das eventuais aspirações dos pilotos, as decisões do box devem ser seguidas.

Os exemplos são inúmeros, os mais acintosos para os torcedores brasileiros foram quando Barrichello teve uma vitória sonegada no GP da Áustria em 2002 cedendo a posição para Michael Schumacher e no GP da Alemanha em 2010 onde Felipe Massa foi preterido em favor de Fernando Alonso.

A MotoGP sempre foi um esporte solitário, depois da largada todas as decisões eram tomadas exclusivamente pelos pilotos, as placas exibidas no muro da linha de chegada eram a única comunicação possível entre as motos na pista e o apoio nos boxes. Esta condição começou a mudar depois do GP da Alemanha em 2016, relembrando, a corrida iniciada em pista úmida foi vencida por Marc Márquez depois de uma troca prematura para pneus slick. Na ocasião as outras equipes monitoraram os seus tempos de volta e identificaram uma grande vantagem, então sinalizaram com placas para seus pilotos entrarem nos boxes para trocar de equipamento. Envolvidos em uma disputa feroz na pista, diversos pilotos relutaram em cumprir a determinação, a moto da Honda em diversas voltas andou mais de 7 segundos mais rápida que os até então líderes e obteve uma vitória tranquila.

Depois da prova Valentino Rossi, um dos que não atenderam a indicação dos boxes e ficaram na pista, reclamou da precariedade da comunicação entre a equipe e o piloto durante uma corrida. O Regulamento Geral da Competição de 2017 incluiu a possibilidade de o piloto receber pequenas mensagens de texto em seu painel com a prova em andamento. É uma distração para o condutor e na primeira vez que foi utilizado não funcionou direito, a equipe sinalizou para Scott Redding a necessidade de cumprir uma penalização de “pass through” e o piloto não viu, acabou recebendo bandeira preta. Na prova de Phillip Island o mesmo Redding recebeu uma indicação da Ducati para não prejudicar a corrida de recuperação que Dovizioso fazia, a ordem não foi cumprida.

Em Sepang a Ducati divulgou para os pilotos das oito motos da fábrica na pista, equipes oficial, Aspar, Pramac e Avintia, a orientação que deviam facilitar a corrida de Dovizioso. Durante a prova, faltando menos de 6 voltas para o final, a Ducati sugeriu ao líder Jorge Lorenzo que utilizasse o mapeamento número 8, duas voltas depois o piloto errou (?) uma tomada de curva e permitiu a ultrapassagem de Dovizioso, manobra que postergou a decisão do mundial para a última prova em Valência.

Não existe uma simetria no relacionamento entre as fábricas e equipes satélites. A Tech3, que utiliza equipamentos Yamaha, não tem nenhuma subordinação da equipe oficial. Quando Rossi foi obrigado a ficar afastado de uma etapa em função de um acidente, houve um rumor que sua ausência poderia ser coberta por Johann Zarco, que tem obtido ótimos resultados na condução de uma M1 modelo 2016. Esta possibilidade foi descartada pelo gestor da equipe, que justificou compromissos com seus colaboradores e patrocinadores para não ceder seu principal piloto. A Honda tem uma relação peculiar com a LCR, inclusive para viabilizar um segundo piloto em 2018 assumiu o compromisso de bancar o salário de Cal Crutchlow, que já participa ativamente do desenvolvimento da RC213V. As relações com a Marc VDS, a outra equipe satélite, são protocolares.

A Ducati, que disponibiliza o maior número de equipamentos no grid, promove reuniões pré e pós todas as etapas com os pilotos de seus protótipos, apresentando sugestões e recebendo feedback. Scott Redding, piloto da Octo Pramac não obedeceu a orientação de facilitar a prova de Dovizioso em Phillip Island, realizando uma ultrapassagem nos segundos finais enquanto disputava posição com Dani Pedrosa. Em retaliação o piloto, que já tem contrato assinado com a Aprilia para 2018, não foi convidado para participar da avaliação final.

Não existem dúvidas sobre a importância deste campeonato para a Ducati, cujo único título da fábrica na MotoGP foi obtido em 2007 com Casey Stoner. A equipe investiu pesado em infraestrutura de desenvolvimento e apoio, e uma montanha de dinheiro para contar com o talento do tricampeão Jorge Lorenzo. Os resultados estão surgindo, já são seis as vitórias na temporada e, embora a vantagem do atual campeão seja imensa (21 pontos faltando só uma prova), existe a possibilidade matemática de em Valência um piloto Ducati, ainda mais um italiano, conquistar o título de campeão do mundo.

A interferência externa está chegando nas pistas da MotoGP, não mais para administrar apenas conflitos pessoais como aconteceu em 2015 entre Rossi e Márquez ou em 2016 entre Rossi e Lorenzo. Os últimos eventos identificam a aplicação de políticas de fabricantes nos resultados das provas.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

Quer ver todos os textos de colaboradores? Clique AQUI

Os artigos publicados de colaboradores não traduzem a opinião do Autoracing. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre automobilismo e abrir um espaço para os fãs de esportes a motor compartilharem seus textos com milhares de outros fãs.

AS - www.autoracing.com.br

Tags
, , , ,

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.