MotoGP – Inconfidência de Nakamoto

terça-feira, 4 de outubro de 2016 às 17:46
Scott Redding e Danilo Petrucci

Scott Redding e Danilo Petrucci

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Uma das definições mais elementares da economia foi enunciada por Adam Smith, filosofo e economista britânico do século 18, que a descreveu como a ciência de administrar recursos escassos para atender necessidades ilimitadas. É a observância desta regra que obrigou a equipe Octo Pramac, principal satélite da Ducati, estabelecer uma disputa interna entre seus pilotos Scott Redding e Danilo Petrucci para decidir qual receberá a Desmosedici GP17 na próxima temporada. Pelo acordo estabelecido, quem conseguir o maior número de pontos entre as provas de Brno e Valência, com descarte de um resultado, pilotará uma moto igual a de Lorenzo e Dovizioso em 2017, o perdedor vai utilizar um modelo GP16. Talvez não tenha sido uma boa ideia, na última prova (Aragon), Petrucci realizou uma manobra desastrada e tirou Redding da pista, nenhum dos dois pontuou.

A Ducati, depois de comprometer parcela expressiva do seu orçamento na contratação de Jorge Lorenzo para o próximo biênio, disponibilizou apenas uma GP17 para as satélites. A equipe Avintia, que também utiliza as motos italianas já definiu uma GP16 para Hector Barbera e uma GP15 para Loris Baz, enquanto na Aspar, Álvaro Bautista deve utilizar uma GP16 e Yonny Hernandes (?) um modelo GP15. Os modelos GP16 e GP15 continuam competitivos porque as restrições impostas pelo regulamento limitam a aplicação de novas tecnologias, a fábrica dispõe de um amplo estoque de peças de reposição (são peças produzidas para um modelo específico e não podem ser reaproveitadas), além do custo de produção de uma GP17 ser muito alto. A fábrica italiana foi a que mais investiu no desenvolvimento das winglets, suplementos aerodinâmicos fartamente utilizados nas duas últimas temporadas e banidos para 2017.

Depois da contundente vitória de Dani Pedrosa em Misano, uns poucos observadores identificaram que não havia winglets em sua moto que, no entanto, estavam presentes nos outros equipamentos da Honda. Não era exatamente uma novidade, na Alemanha, República Tcheca e Inglaterra a carenagem da moto 26 também não tinha asas, que só apareceram na Áustria. A RC213V pilotada por Márquez na recente vitória em Aragon ostentava pequenos apêndices, nada semelhante as espalhafatosas asas da Ducati e Yamaha.

Shuhei Nakamoto, o “capo per tuti capi” da Honda Racing Corporation, teceu algumas considerações interessantes depois do GP da Inglaterra, reconhecendo que winglets podem ter algum efeito positivo no desempenho dos protótipos na pista, entretanto criam efeitos colaterais difíceis de serem administrados.

Nakamoto confidenciou que a Honda produziu há mais de vinte anos uma moto aerodinamicamente perfeita e que, em testes realizados na pista de Suzuka, obteve tempos fantásticos. Poucos conhecem esta história. Essa moto nunca competiu porque era impossível correr com ela, além da aparência horrorosa, o piloto ficava fisicamente esgotado depois de uma ou duas voltas. Na avaliação do gestor da HRC a aerodinâmica funciona muito bem com a moto na vertical, condição cada vez mais rara nos circuitos da MotoGP. Cada libra de “downforce” gerada pela winglet com a moto na posição vertical cria, pelo menos, meia libra de “sideforce”, que tende a empurrar a moto para fora da pista em curvas rápidas.

A indiscrição de Nakamoto permite inferir que (1) se ficar comprovado que a aerodinâmica pode ser um diferencial de desempenho nas pistas, a Honda tem know-how (e $$) para esta linha de desenvolvimento e, (2) avanços nesta área tem efeitos diretos sobre as exigências físicas para o piloto. De modo indireto explicou por que Pedrosa evita usar winglets, é exclusivamente uma questão de capacidade muscular, a compleição física diminuta do piloto (1,60 m e 50 kg) permite algumas vantagens (menos peso, menor arrasto), mas impede a alavancagem na condução da máquina em alta velocidade.

Uma análise dos resultados da Ducati nas ultimas temporadas confirma a segunda informação filtrada das palavras do gestor da HRC. Em Silverstone, um circuito complicado, os dois pilotos da equipe tiveram problemas físicos, Iannone acabou falhando e o desempenho de Dovizioso esteve irreconhecível nas últimas voltas. O desgaste causado pelo esforço necessário para pilotar uma Desmosedici equipada com winglets é facilmente comprovado, a eficiência apresentada na disputa de colocações no grid, com número reduzido de voltas, não é traduzida em vitórias nas corridas. Andrea Iannone têm declarado em diversas ocasiões, com mais intensidade depois de ser descartado para continuar na equipe na próxima temporada, que gostaria de uma moto mais fácil de pilotar.

Nesta linha de raciocínio, a ampla supremacia da equipe italiana no circuito Red Bull na Áustria pode ser atribuída à “simplicidade” do traçado. As oito curvas ligadas por retas formam o ambiente ideal para a Ducati e, para comprovar a convicção da Honda, nesta pista Dani Pedrosa utilizou as asas. Em circuitos mais complexos, com maior número de curvas e mudanças de direção mais exigentes, toda a vantagem da aerodinâmica contribui para desgastar fisicamente os pilotos e reduzir a sua eficiência ao longo da corrida.

Yamaha Racing e HRC administram os dois maiores orçamentos da MotoGP, ambas reconhecem a aerodinâmica, não necessariamente asas, como uma ferramenta que pode melhorar o desempenho das motos de competição. A forma, a qualidade da superfície de contato e a área frontal são fatores críticos para determinar o comportamento do equipamento em retas e curvas, que também é influenciado pelo peso, tamanho e posição do piloto.

As winglets nunca foram consenso entre os pilotos, o episódio do Rio Hondo, onde uma das asas da Ducati de Dovizioso atingiu a câmera “on board” da Honda de Márquez, gerou um alerta em relação à sua segurança. A FIM solicitou um posicionamento da MSMA (Associação dos Fabricantes) e, como até a prova na Catedral (Assen) as fábricas não chegaram a um consenso, optou por banir o recurso para a próxima temporada.

O documento de atualização do regulamento técnico inclui o seguinte parágrafo: “Dispositivos ou formas salientes da carenagem, não integrados ao corpo da carroceria (asas, aletas, protuberâncias, etc.), que podem proporcionar efeitos aerodinâmicos (downforce) não são permitidos”. A formulação do texto elimina a possibilidade de moldar formas que atuem como winglets ou geradores de vórtice que se projetem a partir da carroçaria. Dias depois as equipes foram notificadas de um adendo: “O Diretor Técnico tem ampla liberdade para decidir se um dispositivo externo ou desenho da carenagem se enquadra na definição acima”.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre

Quer ver todos os textos de colaboradores? Clique AQUI

Os artigos publicados de colaboradores não traduzem a opinião do Autoracing. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre automobilismo e abrir um espaço para os fãs de esportes a motor compartilharem seus textos com milhares de outros fãs.

AS - www.autoracing.com.br

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.