MotoGP – Efeito Borboleta

sexta-feira, 24 de maio de 2019 às 20:41

Dovizioso e Marquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Efeito borboleta é um termo que indica a dependência que um sistema complexo às condições iniciais. Segundo a teoria, o simples bater de asas de uma borboleta na floresta amazônica poderia influenciar um curso natural de eventos em cadeia e resultar em um furacão nas Bermudas. Os protótipos da MotoGP são sistemas complexos e tem comportamento semelhante, corrigir um problema de um componente pode criar dificuldades em áreas onde o desempenho era satisfatório.

As características de um equipamento para vencer uma etapa do mundial de motovelocidade estão centradas na eficiência da frenagem na aproximação das curvas, velocidade durante a realização do contorno, retomada da aceleração na saída e velocidade nos trechos retos.

Em 2019 a Honda corrigiu um ponto fraco da RC213V na temporada passada, a moto de 2018 se comportava extremamente bem nas frenagens e pecava na aceleração e velocidade máxima. No modelo deste ano a fábrica trabalhou em todo o equipamento, melhorou a refrigeração ampliando as entradas de ar e encomendou um novo sistema de escapamento. Esse procedimento exigiu uma redistribuição de peso e alterou o equilíbrio da moto, houve em consequência um aumento de potência e ganhos na velocidade final, entretanto para os pilotos mudou a sensação de estabilidade, especialmente no travamento da frente. A moto já não entra em um contorno grudada no chão, o comportamento na aproximação de curvas ainda é muito bom, mas não tanto como no ano passado.

Em Le Mans Marc Márquez demonstrou na prática como se comporta o modelo 2019. Maior velocidade em curva, menor eficiência em frenagens, acelera mais rápido e tem maior velocidade final. Sua tática durante acorrida também mudou, no ano passado acompanhava os líderes e deixava para atacar nas últimas voltas confiando na maior deterioração dos pneus dos concorrentes. Este ano ele tenta abrir desde o início sempre que possível e utiliza a aceleração e a potência da nova Honda para passar por fora nas curvas e ao longo de retas.

O resultado pode ser comprovado pela escolha dos pneus, no ano passado Márquez utilizava os compostos Hard capazes de suportar as frenagens fortes para conseguir nas curvas os milissegundos necessários para obter vitórias. Este ano a RC213V utiliza de pneus macios na dianteira para transferir mais sensibilidade para o piloto, que não resistiriam por toda uma prova se submetidos a frenagens violentas. O pneu macio deforma mais fácil, aumenta a área de contado com o asfalto e tem maior tolerância a erros.

No circuito de Le Mans Jack Miller, que já pilotou uma Honda no passado, seguiu Márquez com uma Ducati por algumas voltas e observou o comportamento do espanhol. “A frenagem dele não me impressionou, senti que podia tentar ultrapassar na maioria das minhas zonas de travagens. A Honda vai muito bem na retomada de velocidade e em linha reta, o que contraria tudo o que se sabia até este ano. Frear tão bem quanto uma Honda é inédito. Uma Ducati perder para uma Honda na aceleração é ainda mais estranho”.

A pergunta que se impõe é porque os outros pilotos da HRC não obtêm nas pistas os mesmos resultados que Márquez. Jorge Lorenzo está em processo de lento aprendizado com o equipamento e equipe, Takaaki Nakagami ainda utiliza uma especificação B (2018) e Cal Crutchlow enfrenta dificuldades em assimilar o novo comportamento da roda dianteira. Uma das principais características de Marc Márquez é a rapidez com que se adapta a uma nova conjuntura e ele está utilizando uma técnica diferente da que já rendeu cinco mundiais, os milissegundos que ele perde na frenagem para entrar em uma curva, recupera no contorno e na retomada de velocidade, o pneu macio permite uma inclinação um pouco mais agressiva do equipamento.

A prova de Le Mans evidenciou a mudança de postura do #93. Márquez, assim como fez em Jerez, assumiu a liderança no início acelerou apenas o suficiente para não ser ultrapassado, do meio da prova em diante procurou uma distância segura dos seus concorrentes.

A história do GP de Le Mans começou a ser contada na tomada de tempos para a formação do grid de largada. O clima foi protagonista e causou transtornos para Valentino Rossi, que foi obrigado a disputar o Q1. A pole no Q2 foi decidida logo no início, Marc Márquez fez o melhor tempo na sua primeira volta rápida e, ao tentar encontrar os limites da moto, caiu na seguinte. Ao contrário do que seria esperado, ele recuperou a moto e permaneceu na pista com o mesmo equipamento enquanto os outros pilotos tentavam ser mais rápidos, Márquez permaneceu todo o período de definição da pole rodando com a moto acidentada.

Marc Márquez conquistou a sua 55ª pole em 113 disputas na sua 7ª temporada na classe principal. Para efeitos de comparação, Valentino Rossi tem o mesmo número de poles em 328 etapas (20 temporadas) somando 500cc & MotoGP. O recordista neste indicador é Mick Doohan, com 58 poles em 137 participações (11 temporadas) na 500cc, lembrando que o atual formato de classificação para a largada só começou a ser utilizado em 1974.

A Bíblia é uma coleção de textos religiosos de valor sagrado para o cristianismo, foi a primeira grande obra impressa na Europa Ocidental a partir de tipos móveis de metal, marco inicial da imprensa escrita. Nos rascunhos da Bíblia já não havia referências relacionadas com problemas de corrente de relação em motos de competição. Paradoxalmente nos últimos tempos incidentes com correntes passaram a ser noticiados com frequência, aconteceu com Lorenzo, Márquez e nos treinos da França com a Yamaha de Rossi. Este fato inusitado pode ser atribuído à nova febre que assola os fabricantes de protótipos de competição, a flexibilidade dos chassis.

O chassi e braço oscilatório de um protótipo de competição não formam um conjunto rígido de metal, são componente com alguma flexibilidade, capazes de prover condições para um piloto inclinar o máximo possível no vértice de uma curva e entrar no traçado ideal mais rápido. A maneabilidade da estrutura ajuda as rodas a ficarem alinhadas com a trajetória ideal. O segredo deste processo é que na retomada de velocidade a estrutura deve apresentar uma rigidez que permita canalizar toda a potência gerada pelo motor para a roda traseira, permitindo ao piloto obter o máximo de velocidade.

O GP da França apresentou várias ocorrências singulares, Joan Mir (Suzuki) e Karel Abraham (Avintia) conseguiram cair na volta de apresentação em eventos separados. Provavelmente Mir, que largou depois do pitlane, assustou-se com a queda da Avintia. Abraham recebeu uma bandeira preta porque só conseguiu sair depois do líder completar a primeira volta, além de trapalhão mostrou que sua equipe não conhece o regulamento da competição. Na volta 02 já estavam na frente os seis primeiros (Márquez, Dovizioso, Petrucci, Miller, Rossi & Pol Espargaro), não houve alteração posterior no grupo, só a colocação entre eles. A falta de sorte de Maverick Vinales continua, foi literalmente atropelado por Pecco Bagnaia.

Iannone, Zarco e Lorenzo continuam sendo as maiores decepções – estranhamente Lorenzo e não a HRC parece mais incomodado. O #99 foi contratado para “domar” a RC213V e não para obter resultados imediatos.

Fatos marcantes na prova foram a 300ª vitória da Honda na categoria principal (500cc & MotoGP) de um total de 881 provas disputadas no mundial de motovelocidade, e a festa na KTM pelo sexto lugar de Espargaro a 6 segundos do líder. Fábio Quartararo recuperou posições depois de sair da pista e confessou no fim da prova que queria resultado, por isso rodou em “Modo ataque” (usado só na largada) o tempo todo e correu o risco de estressar o motor.

O efeito borboleta também pode ser identificado na MotoGP, mudanças sutis na flexibilidade do chassi podem causar problemas na corrente de relação.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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