Max Mosley abre a caixa preta da Formula 1

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 19:56

O presidente da FIA, entidade que regula a F1, Max Mosley, deu hoje uma resposta para lá de contundente aos donos das equipes Williams e McLaren, que semana passada afirmaram ir a justiça contra a FIA por entenderem que a entidade impôs novas regras sem consulta prévia.

Trata-se de uma carta pública e muito dura, com sérias acusações nunca antes sequer imaginadas. Veja agora na íntegra seu conteúdo.

Caros Frank Williams e Ron Dennis

Sua carta do dia 20 de fevereiro em resposta à minha do dia 7 de fevereiro é muito desapontadora. Minha carta continha propostas cuidadosas e explicadas passo a passo para resolver os dois maiores problemas de nosso campeonato: Como acomodar as grandes montadoras enquanto elas pretendem continuar na Formula 1 sem arriscar um colapso quando elas resolverem sair, e como encorajar novas equipes independentes a entrar na Formula 1 preservando as que já existem.

Sua resposta não tem foco. Ela fala sobre as medidas de 15 de Janeiro e sobre minha carta de 7 de fevereiro, confundindo as duas coisas. Não há nenhuma tentativa de dizer quais, se é que alguma, das medidas de 15 de janeiro vocês concordam, ou por que o Pacto de Concórdia as impede de serem tomadas como foram.

Como um exemplo, vocês dizem que “acreditam” que os fornecedores de motores não podem fazer motores com duração para várias corridas, mas vocês não fizeram nenhuma tentativa de apresentar uma contra proposta ou rebater alguma das outras propostas que vocês dizem ser contrários. Nem ao menos foi apresentada alguma alternativa, com exceção de mencionar a proposta de 10 milhões de libras da Mercedes, que a própria Mercedes admite apenas ter se tornado possível devido à proposta de usar apenas um motor por corrida em 2004, que vocês próprios estão lutando tanto para rejeitar. Do contrário vocês parecem estar dizendo que não há problemas.

É impossível ter um diálogo se a resposta para uma cuidadosa carta de propostas é uma coleção de afirmações vagas e críticas confusas, sem nenhuma tentativa perceptível de usar argumentos. Vou tentar extrair os principais pontos de sua carta para respondê-los. No entanto, eu repito, os pontos de minha carta de 7 de fevereiro continuam sem resposta e ainda precisam ser discutidos.

** Em negrito estão as afirmações de Frank Williams e Ron Dennis

#A FIA está rompendo o contrato+

Eu não tenho certeza no por que de vocês pensarem isto. Eu já perguntei a seus representantes quais medidas para 2003 vocês entendem que rompem com o Pacto de Concórdia e/ou as leis Européias e quais vocês aceitariam. Eu também pedi a eles para explicar sobre cada medida contestada, por que vocês a consideram como uma quebra do Pacto de Concórdia e/ou contraria as leis européias, e a respeito das mudanças de regulamento para 2004, 2005 e 2006, por que vocês afirmam que nós não estamos seguindo os procedimentos do Pacto de Concórdia, já que foi dito que seguiríamos estes procedimentos para cada uma destas mudanças. Seus representantes se recusaram a responder. Talvez vocês possam fazê-lo.

#A Formula 1 produz lucros mais do que suficientes para sustentar todas as equipes e a FIA deveria perseguir uma distribuição mais equilibrada das receitas da TV, etc..+

Prost e Arrows foram à falência nos últimos 12 meses. No mínimo duas outras equipes estão ainda sob risco. Estes fatos falam por si só. Mesmo que toda a receita da FOM fosse distribuída entre as equipes, os custos atuais seriam insustentáveis. Alem do mais, vocês dois concordaram livremente com o sistema atual em 1998, ficando preso a isso por 10 anos, ao invés dos 5 habituais. Eu nunca entendi por que vocês fizeram isso. Quando vocês assinaram em 1998, vocês sabiam de cada detalhe das finanças da Formula 1 como resultado da tentativa do Bernie em 1997 de colocar a F1 no mercado. É difícil entender como vocês esperam que a FIA desfaça o acordo que vocês concordaram em 1998.

Desde 1997, a FIA sugeriu constantemente que as equipes menores deveriam receber mais dinheiro da TV e outras receitas para compensar a falta de patrocínios. Vocês sempre insistiram veementemente que a receita deveria depender do sucesso de cada um.

#A FIA está tentando baixar o nível do esporte+

Se vocês realmente acreditam que o público quer ver carros controlados por computador dos boxes por engenheiros anônimos, por favor, pensem novamente. Se vocês não acreditam em mim, contratem dois salões, em uma cidade em qualquer lugar no mundo e coloquem, por exemplo, Michael Schumacher, Kimi Raikkonen e Juan Pablo Montoya em um deles. No outro salão fiquem vocês dois, seus experts em eletrônica e chefes técnicos. Convide o público para visitar os dois salões e veja o que acontece. O campeonato de Formula 1 da FIA é e sempre foi um campeonato de pilotos. Se você quer um exemplo de um campeonato que coloca a tecnologia na frente dos pilotos, veja a historia do Grupo C de Esporte Protótipos, apesar da presença de carros high-tech da Jaguar e Mercedes, ele atraiu menos publico que os campeonatos locais de turismo no Reino Unido e Alemanha. O mesmo acontece na TV. O publico está interessado em pilotos e esporte, não eletrônica.

#A FIA esta sendo muito pessimista sem necessidade+

É exatamente isso que você costuma ouvir da velha guarda numa empresa que está falindo. Vocês nunca vão achar qualquer observador independente, ou homem sério de negócios que concorde com vocês.

#As propostas da FIA são hostis às grandes montadoras que pretendem dar suporte à F1 e promover o crescimento (sic) do esporte+

Vocês estão ignorando a história, bem como a realidade dos negócios. Os seus dois fornecedores de motores (BMW e Mercedes) já estiveram dentro de fora da Fórmula 1, bem como em outras categorias por diversas vezes. O fato deles dizerem que vão investir na Formula 1 não muda isso. Eles precisam prestar contas a seus acionistas, não ao esporte. Eles podem, e vão sair a qualquer hora que lhes convenha. Isso não é uma crítica, é um fato.

Vocês precisam lembrar que uma montadora de carros não vai gastar o dinheiro de seus acionistas para bancar o esporte a motor, e sim para vencer e vender mais produtos. Nós estamos agora assistindo um concurso de gasto de dinheiro com uma montadora (e não é a Ferrari) empregando mais de 1000 pessoas com recursos praticamente ilimitados numa tentativa de vencer o campeonato de Formula 1. Não há nada de errado nisso, as regras não proíbem, mas nós não podemos nos prevenir de que esta montadora pare amanhã, por exemplo, caso seus acionistas se revoltem. Eu quero garantir que a Formula 1 possa continuar independentemente do número de montadoras envolvidas, nós não estamos sendo hostis, e sim realistas.

As montadoras contribuem muito e nós precisamos fazer todo o possível para garantir que eles fiquem. Mas não podemos nunca depender deles. Nunca se esqueça que o maior executivo é um empregado, ele pode estar sem emprego na próxima semana. Isso já aconteceu com três dos executivos da GPWC em menos de dois anos. Seus sucessores podem odiar o esporte a motor. Seria tolice permitir que a F1 fique a mercê de mudanças de pessoal e de política das grandes montadoras.

Nós apenas poderíamos confiar nas montadoras se elas garantissem dez anos de participação e um aviso prévio de três anos antes de parar. Por enquanto nenhuma delas parece estar disposta a fazer isso.

#Não é seguro cortar a preparação para a corrida para 2,5 horas e correr sem telemetria+

Vocês estão dizendo que depois de cerca de 150 km de treinos no sábado de manhã seus carros não vão estar prontos para correr com segurança mais 300 km sem um intervalo de 18 horas. Isso é obviamente sem sentido. Todos nós já vimos carros totalmente reconstruídos em menos de duas horas depois de um grande acidente. Esse é realmente um argumento muito ruim, principalmente se você lembrar que em todo o esporte a motor a preparação para a corrida se dá nas duas semanas que a antecedem.

Você não precisa de telemetria se você colocar luzes de advertência para avisar o piloto que terá que parar se alguma coisa estiver errada, e você tem um ano para fazer isso.

#Em dezembro de 2003 as equipes concordaram com medidas de redução de custo e para suprir motores a baixo custo+

A parte sobre os motores é simplesmente mentira. Motores não são mencionados no acordo desta reunião de 4 de dezembro, nem nas propostas para 2003. De acordo com a ata feita pela McLaren, o único acordo feito foi uma lista de itens que não poderiam ser alterados entre o qualifying e a corrida. A lista era inadequada, pois ela omitia entre outros itens, os freios, suspensões, rodas, carenagens, lastro.

Alem disso:

– Prancha no assoalho padrão em 2004

– Telemetria padrão em 2004

– Eliminação do lastro de alta densidade em 2005

– Rodas padrão, sem data

– Reduzir o peso para 2005

– Mudança cosmética das áreas de patrocínio para 2004, considerando a proibição do reabastecimento para 2005

Tudo isso sujeito a “aceitação das mudanças detalhadas”

Não me espanta que um dos chefes de equipe tenha dito que estas mudanças não iriam poupar o suficiente para pagar os lanches. Dizer que essa triste lista de intenções condicionais..”poderia sem duvida diminuir os custos consideravelmente e melhorar o espetáculo da Formula 1″ como fez a GPWC em seu comunicado à imprensa de 17 de Janeiro chega a ser risível.

#McLaren e Williams tem sido pró-ativas ajudando as equipes menores em dificuldades financeiras+

Seu principal trabalho “pró-ativo” nos últimos doze meses parece ser prevenir a qualquer custo (inclusive falando com o Bernie arbitrariamente) que a Minardi recebesse dinheiro que eu e pelo menos mais dois chefes do conselho acreditamos pertencer a ela. É dinheiro que teria ido para a Prost se eles tivessem continuado, nunca para nenhum de vocês, apesar de vocês estarem fazendo tudo para pegá-lo da Minardi. Alem do mais, as declarações publicas de rejeição a Minardi feitas por Ron falam por si só.

Eu vejo que vocês tentam levar crédito ainda pela oferta de motores da Mercedes, mas a própria Mercedes confirmou em sua carta de 14 de janeiro de 2003 que essa proposta só foi possível graças à regra de um único motor por corrida para 2004 – A regra que vocês querem tanto impedir. Vocês descrevem o motor Mercedes como de baixo custo. Por 625.000 Euros (Mais de R$ 2.150.000,00) por corrida, isso dá um novo significado para o termo “baixo custo”. O rumor de que a Jordan vai pagar perto de 20 milhões de Euros em 2003 não fazem 10 milhões ser baixo custo.

#A FIA não está aceitando a oferta das montadoras de contribuir para o esporte+

Nós acreditamos que a GPWC está negociando com Bernie e o Kirch Banks, mas nós ainda não fomos consultados sobre isso.

No mais, nós fizemos tudo que podíamos para encorajar as montadoras. Eu ainda estou para encontrar com o CEO de uma grande montadora que não apóie a FIA ou que pense que as montadoras deveriam fazer as regras. Qualquer um deles riria da sua sugestão de que a FIA estaria (sic) “conduzindo as montadoras para fora da categoria”.

Genericamente, uma palavra sobre sua conduta na carta de 20 de fevereiro: Vocês dois sabiam perfeitamente bem que ao menos até 15 de janeiro havia grande insatisfação entre patrocinadores, redes de TV e promotores das corridas sobre a Formula 1. Vocês também sabiam que ao anunciar sua intenção de ir à justiça iria aumentar esta insatisfação e as preocupações durante as férias de inverno. Mesmo assim, instruindo seus representantes a escrever para nós dia 20 de fevereiro, dizendo que os procedimentos legais iriam ser tomados a menos que nós concordemos com um compromisso até 26 de fevereiro, vocês foram para a mídia em 20 de fevereiro sem esperar por uma resposta, inclusive antes de nós termos sua carta. Que irresponsável. Vocês esperaram 5 semanas depois da reunião de 15 de janeiro sem reagir, ou procurar uma reunião. Vocês não poderiam ter esperado outros seis dias pela nossa resposta às sua carta antes de novamente desestabilizar o campeonato mundial de Formula 1?

Finalmente, no seu pronunciamento público, se não na sua carta, vocês me acusaram de agir de forma ditatorial e sem consultar propriamente. Eu devo lembrá-lo que após a reunião da comissão de Formula 1 em 28 de outubro, uma reunião entre as equipes, (incluindo os diretores técnicos) e a FIA foi planejada para 4 de dezembro. Charlie Whiting inclusive cancelou o encontro do grupo técnico e trabalho, que havia sido marcada há tempos para 6 de dezembro para evitar o conflito de datas. Nós então agendamos uma sala para a reunião. Então, para nossa surpresa, vocês insistiram que a FIA não deveria estar presente, e arranjaram uma outra reunião em outro lugar, nos deixando com o custo de nossa sala.

Vocês não queriam se reunir conosco. Vocês não iriam concordar com nada significativo. O que nós deveríamos fazer? Ninguém quer implementar medidas, não importa o quão necessárias, sem muita discussão, mas o que mais nós podíamos fazer? Em contraste, houve conversas sem fim com as equipes desde 15 de janeiro, e nós fazemos e vamos continuar fazendo tudo que for possível para cooperar com as equipes. O melhor meio de lidar com os problemas do campeonato mundial de Formula 1 é discutir novas regras e melhorar a implementação das que já existem. Mas não podemos fazer isso se vocês se recusam de nos encontrar como foi feito em dezembro.

Max Mosley
Paris, 25 de fevereiro de 2003

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