Mais que campeão, dôa a quem doer

quarta-feira, 28 de setembro de 2011 às 19:32

Sebastian Vettel

Vettel entra para a galeria dos grandes campeões e faz estragos na concorrência

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Pronto, acabou. Vá lá, ainda falta um ponto para Sebastian Vettel poder encher o peito e comemorar seu bicampeonato, mas isso só não acontecerá na mais do que improvável hipótese de Jenson Button vencer as cinco provas restantes. Então, já dá para dizer que o alemãozinho é o piloto mais jovem a conquistar dois títulos consecutivos. Claro, isso todo mundo já sabe, o que não se sabe é que ele não merece esse título, que ele é apenas um moleque mais ou menos rápido que tem a sorte de guiar o melhor carro do mundo. Se não fosse por isso, teria sido triturado pelo Fernando Alonso e pelo Lewis Hamilton, esses dois, sim, pilotos de verdade.

Pois é, desde domingo minha caixa postal vem ameaçando suicídio; alega que não foi feita para receber esse tipo de asneira. Por enquanto, estou conseguindo controlar a situação, mas o estado de espírito dela é péssimo. Às lágrimas, pergunta se essas pessoas não têm olhos para ver as qualidades gritantes do Vettel, para notar como é difícil guiar um Fórmula 1. “Será que eles sabem que a pressão aerodinâmica desses carros é igual ao quadrado da velocidade? Não imaginam que se a enorme potência dos freios faz a velocidade cair vertiginosamente a aderência se reduz ainda mais rapidamente e, mesmo assim, nunca se vê o Vettel bloqueando uma roda? Não vêem que nas três primeiras voltas de cada corrida ele já está fora do alcance do segundo colocado? Que mesmo fazendo as três primeiras voltas em um ritmo que ninguém consegue acompanhar, sempre troca pneus depois de todo mundo que pode ameaçar suas vitórias? Que ele fez 11 pole positions e venceu nove corridas nesse ano? Que ele revolucionou os conceitos de engenharia que indicavam a velocidade máxima como a única arma para vencer em Monza ao vencer com o carro de menor velocidade? Que com o mesmo carro o Mark Webber, que de bobo não tem nada, não venceu nenhuma prova em 2011? Que pelo menos uma vez nos últimos três anos ele venceu uma corrida sem perder a ponta nem quando parava nos boxes? Que em 2008 venceu com um Toro Rosso? Que em 2007 marcou pontos em sua estréia na F1? São cegos ou não querem ver?

”Calma, amiga, são os efeitos da paixão. Sim, muitas vezes ela, a tal paixão, induz à cegueira. Concordo com você, hoje não há nenhum piloto à altura dele. E não são apenas esses fãs incondicionais que estão dizendo besteira, tem até ex-campeão mundial perdendo o rumo de casa por causa dele. Quem? Ora, o Lewis Hamilton é o melhor exemplo; a Ferrari, toda ela, é outro. Desde meados do ano o Hamilton vem dizendo que não suporta ver o Vettel conquistar os títulos e vitórias que ele acha que deveriam ser dele.E por isso sai criticando sua equipe e distribuindo batidas em que vai à sua frente; a Ferrari já demitiu um diretor técnico italiano, prata da casa, e colocou um inglês em seu lugar, reconstruiu um túnel de vento, inventou novas suspensões traseiras para aquecer melhor os pneus traseiros e nada, só andou para trás.

As tais suspensões projetadas pelo novo diretor técnico Pat Fry para dar fim aos problemas de mau aquecimento dos pneus permitindo maior cambagem, foi estreada na Inglaterra, mas mesmo com a vitória de Alonso (creditada às restrições impostas apenas naquela etapa aos difusores soprados) ela foi encostada. Voltou em Cingapura e, para desilusão de todos, os carros de Alonso e Massa, além de não ganharem aderência mais rapidamente, foram os que mais cedo precisaram trocar os pneus. A esperança é que Fry consiga interromper a trajetória descendente que a Ferrari vem sofrendo em anos recentes. Certeza? Nenhuma. Mas, pelo menos, decidiu dedicar todos seus esforços ao carro do próximo ano, o que explica em parte o desempenho decepcionante de Cingapura. Mais uma corrida fora do pódio, a sétima de 14, e Alonso perdeu o segundo lugar no campeonato para Button. Pior: ele mesmo admite que dificilmente conseguirá reavê-lo e que está preocupado com a possibilidade de perder também o terceiro para Mark Webber.

Pouco adiantou. Minha querida caixa de entrada está, de fato, mais do que indignada, deprimida. Ameaça se jogar na caixa do lixo, aquela para onde se destinam os infindáveis press releases que louvam o piloto que chegou em 17º fazendo “uma corrida fabulosa”. Vejam só, nosso ás do volante, que nunca foi de grandes feitos, andou em segundo. Mais embaixo, se lê que a gloriosa façanha ocorreu quando os 15 pilotos que vinham à sua frente pararam para trocar pneus. Não, minha caixa posta merece coisa melhor que esse crudelíssimo destino, mas concordo que a pobre coitada está sendo mais mal tratada do que o Massa.

Essa queda, aliás, tem trazido novos sofrimentos à minha dedicada caixa de entrada. Sim, ele mesmo, Felipe Massa, é o novo eleito para receber as críticas de quem confunde automobilismo com luta de MMA (Mixed Martial Arts, para quem não está afeito ao esporte que arrasa dentaduras). E elas lotam a minha caixa. Ora o que eu tenho a ver com o pouco conhecimento de quem chama o Felipe de burocrático, mercenário, argentário, aproveitador, enganador e sandices que tais? Não querem nem saber, descarregam o fel de seus fígados na minha caixa de entrada e eu que contenha seus impulsos suicidas. Teve até quem dissesse que ele amarelou depois de dar aqueles saborosos safanões no Hamilton.
 
A sorte é que ela, a minha caixa, não tem memória curta. Ela sabe que essa não é a melhor temporada do Massa, mas também não é a melhor da Ferrari nem do Alonso, que não vence desde outubro do ano passado, que fez sua última pole position em setembro de 2010. “E só o Massa apanha?”, reclama ela, plena de razão. E se põe a recitar, como quem repete um mantra, as agruras a que Felipe foi submetido nesse ano. “Ora, em nada menos de 11 corridas ele, de uma maneira ou de outra, foi prejudicado.”

Já sei de cor e salteado, tantas as vezes que ela repete. Quer saber? Vamos lá, corrida por corrida:

Malásia: perdeu tempo em uma parada para troca de pneus
Turquia: perdeu tempo em duas paradas para troca de pneus
Espanha: quebra do câmbio
Mônaco: foi abalroado pelo Hamilton
Canadá: quebrou a asa dianteira quando ultrapassava um Hispania que se recusava a obedecer às bandeiras azuis
Valência: perdeu tempo na segunda parada para troca de pneus
Alemanha: um mecânico deixa uma porca de roda sair pulando pelos boxes durante a troca de pneus
Hungria: danificou a asa traseira em uma rodada
Bélgica: pneus furado
Itália: rodou depois de ser abalroado pelo Webber
Cingapura: pneu furado depois de levar uma batida do Hamilton

Felipe Massa

Felipe Massa

“Admito que a rodada da Hungria foi erro dele, mas pelo menos só quebrou sua própria asa, não fez como o Hamilton, que também rodou e voltou para a pista na frente do pelotão. Só não bateu no Paul di Resta porque o menino foi esperto e saiu da pista. Aliás, o Hamilton ganhou mais um drive-through por aquela lambança, quando será que vão dar um gancho de verdade nele?”, alfineta ela, que nem é grande fã do Massa. Na verdade, ela só pleiteia justiça nos comentários.

Não adianta explicar que, no mais das vezes, essas injúrias vêm da frustração de quem apoiava e se empolgava com o Massa de 2008, aquele que mesmo não conquistando o título nos encheu de orgulho por seu espírito combativo e por sua cavalheiresca elegância ao ver o título lhe escapar por entre os dedos aqui mesmo, em Interlagos. A mão que afaga é a mesma que apedreja, mas de nada adiantam os meus argumentos. “Isso é coisa de torcedor de futebol, daqueles que chamam o técnico de burro na hora da substituição e fingem que nem é com eles quando o jogador que o técnico colocou em campo faz o gol da vitória. Burro eu sei quem é”.

Calma, menina, nada como um dia atrás do outro. Não, ela não acha que o Hamilton é má pessoa, apenas um menino deslumbrado com o sucesso que comete os mesmos erros que antes dele mais de mil garotos deslumbrados também cometeram. Ela elogia o distanciamento que Anthony Hamilton vem mantendo enquanto seu filho se perde o rumo. “Lembra quando o Lewis bateu na Ferrari do Raikkonen na saída dos boxes do GP do Canadá de 2008? Pois é, na corrida seguinte estava tudo tranqüilo, digerido e esquecido. Mas agora o Lewis não tem mais que o traga de volta à realidade. Depois de Cingapura, o Anthony fez o diagnóstico certo: o empresário dele precisa trabalhar mais, precisa acompanhá-lo nas corridas e estar mais presente na vida dele”. Como, aliás, Anthony fez com tanto sucesso conduzindo a carreira de Lewis desde os tempos do kart e vem fazendo agora com o promissor escocês Paul di Resta.

Tenho de concordar – e deixar claro que minha querida caixa não tem nada contra o Hamilton; em passado recente, era sua admiradora fervorosa. “Ah, sim. Tenho saudades do tempo em que ele corria com agressividade, mas a mantinha sob controle”. De quem ela não gosta nada é da namorada, a Nicole Scherzinger, aquela que era a cantora das Pussycat Dolls. “Foi essa cantorazinha que começou a estragar tudo. Aliás, foi ela que causou a implosão das Pussycat Dolls originais, hoje nenhuma delas está mais no grupo. E foi ela quem indicou esse empresário novo do Hamilton, o tal de Simon Fuller. Ele empresaria o David Beckham e o Andy Murray, aquele tenista. Mas com eles basta arranjar bons contratos, o que não é difícil. Mas com um piloto como o Hamilton tem de estar junto, dar apoio, segurar a cabeça. Em automobilismo se perde muito mais do que se vence, é preciso saber perder. O Hamilton não sabe e não tem quem lhe ensine”.

Lewis Hamilton e Nicole Scherzinger

Lewis Hamilton e Nicole Scherzinger

É melhor não convidar minha caixa de entrada para a mesma mesa da Nicole Scherzinger. Nem o Martin Whitmarsh, outro alvo das críticas ferinas dela. “Ele parece que vive em outro mundo, não vê o que está na cara de todo mundo. A cada lambança do Hamilton ele diz para o mundo que ele é um piloto agressivo e para se ultrapassar é preciso assumir riscos. Ora, isso todo mundo sabe, mas ele bateu no Massa sem estar nem tentando ultrapassar. O Hamilton sempre foi agressivo, mas foi tão mimado pela McLaren que se tornou irracionalmente agressivo. E vem esse Whitmarsh dizer aos que ele está certo, que riscos fazem parte do automobilismo. O pior é que isso vai durar até ele ter o pai de volta ao seu lado. Ou ele ou um empresário que não olhe só para o dinheiro, alguém que saiba como se deve conviver com as frustrações e também com o sucesso que o automobilismo pode trazer”.

Melhor deixar a minha sofrida caixa de entrada desabafar. Mas, por via das dúvidas, bloqueei essas mensagens. Serve também para poupar a minha paciência. Outro assunto que anda mais do que aborrecido é o fica não fica do Rubinho Barrichello na Williams. Vítima de comentários injustos dos (des)conhecedores de automobilismo há décadas, Rubinho pode, de fato, se tornar mais uma vítima dos novos ventos que passaram a soprar na F1 desde que as grandes montadoras saíram de cena. Sem os incontáveis derrames de euros, as equipes hoje têm de olhar muito de perto seus orçamentos. E quando uma delas decide investir no departamento técnico, como faz agora a Williams, o bicho pega para quem não só não paga, mas ganha para correr. É o caso dele.

Concordo que pode ser um fim triste para a trajetória do Rubinho na F1, mas assim é a F1 hoje, nada a dizer. Tem coisa parecida acontecendo na McLaren. Quando a Mercedes era sócia, pagava metade dos salários dos pilotos. Agora que ela não está mais à mão, o Martin Whitmarsh pode ver o Button ir embora no fim de 2012. Isso porque, para trocar a Brawn pela McLaren, ele aceitou reduzir seu salário – mesmo sendo campeão mundial. Agora que ele se firmou como o principal piloto da equipe e um dos melhores da atualidade, pleiteava um reajuste mais do que merecido. Mas como cabia à equipe a opção de renovação, ele teve de aceitar as condições e vai correr lá por mais um ano. Mas a McLaren que aguarde o fim de 2012.

Até agora, ainda não surgiu um piloto que possa sonhar com a conquista de campeonatos e traga junto patrocinadores do tamanho da voracidade com que a F1 consome euros e mais euros. Mas mesmo assim considero absolutamente difícil de acreditar que uma equipe experiente como a Williams eleja Kimi Raikkonen como a solução de seus problemas. Pelo piloto, só admiração; pelo profissional, sérias dúvidas. Um exemplo? Fácil: há menos de um mês, ele se negou a viajar para a Austrália para disputar uma etapa do Mundial de Rali porque é longe demais. Ora, a equipe, Ice 1, foi inscrita no Mundial sob a bandeira da Peugeot, que não gostou de vê-la excluída do campeonato e todos seus pontos anulados. A isso se soma o desapontamento da fábrica francesa ao vê-lo naufragar na mediocridade no ano passado, quando corria pela equipe oficial Peugeot.

Sabidamente, o convívio com ele é difícil para os setores comercial e de marketing, já que ele se nega a participar das promoções que compõem os contratos entre equipes e patrocinadores. Profissionais que conviveram com ele na McLaren lembram daqueles dias sem saudade. Como seu enorme talento lhe permitia marcar ótimos tempos mesmo com carros mal acertados, não dava importância às reuniões com os engenheiros, o que prejudicava desastrosamente o desenvolvimento dos F1. Pior: bastava ouvir no rádio pedidos para cuidar do motor, por exemplo, para irromper em uma torrente de grosserias e impropérios.

Há, porém, argumentos a seu favor, argumentos fortes: é um campeão mundial, seria, ou será, o sexto a alinhar junto com Vettel, Alonso, Button, Hamilton e Schumacher. A atração que exerce sobre os holofotes da mídia é inegável, e é aí que a Williams deposita suas esperanças de conquistar novos e fortes patrocínios. É inegável: ela precisa disso, e muito. Suas despesas vão aumentar muito com os motores Renault e com o novo corpo técnico, liderado pelo inglês Mike Coughlan. Está lembrando do nome mas não consegue localizá-lo? É aquele mesmo que recebia as informações técnicas secretas da Ferrari que lhe enviava o chefe dos mecânicos de Maranello, o também inglês Nigel Stepney. Coughlan pode não ter um caráter recomendável, mas em seu currículo figura a autoria de bons carros nos tempos que era projetista da McLaren. Por isso, seria triste também ver Rubinho, que roeu o osso da Williams nos dois últimos anos, perder a que pode ser sua última chance.

Há esperanças. Vozes de dentro da Williams garantem que não há nada decidido; e Rubinho mantém um otimismo que não cabe em quem sabe que não terá mais vaga na categoria em que viveu os últimos 19 anos de sua vida. Mas as ameaças vão além de Raikkonen. Na verdade, são considerados candidatos nomes como Adrian Sutil, que desmente qualquer conversa com a equipe inglesa (mas ninguém acredita), e o holandês Guido van der Garde que teria à disposição 12 milhões de euros da tradicional confecção McGregor (que pertence a seu sogro). Ainda se cogita de Nico Hulkenberg (que sempre se negou a levar patrocínio para qualquer equipe) na improvável hipótese de não ser promovido a titular na Force India, e Bruno Senna, se não permanecer na Renault, o que também é improvável. Mas caso ele seja confirmado, sobra no mercado Vitaly Petrov, com as vultosas verbas que trouxe da Rússia.
 
Mas, de fato, é duro imaginar Barrichello sem lugar enquanto Michael Schumacher faz o que tem feito e continua nas pistas. Depois de uma atuação soberba na Bélgica, ele voltou a exibir seu lado obscuro ao jogar Hamilton fora da pista a quase 300 quilômetros por hora em Monza. Teve sorte de, naquele dia, o inglês estar atipicamente cauteloso. Em Cingapura, cometeu um erro que ressuscitou as condenações a seu retorno às pistas. Como aceitar que um heptacampeão mundial de F1 erre o posicionamento de seu carro ao ponto de causar um acidente de trânsito, daqueles comuns a motoristas distraídos? E a desculpa de que o mexicano Sérgio Perez freou muito mais cedo do que ele esperava se esvazia pelo fato de, na curva anterior, Perez ter sido jogado fora da pista por Nico Rosberg e, portanto, estava ainda retomando sua velocidade normal.

Seja o que for, o período é de muitas especulações, e admiro muito a tranqüilidade com que Barrichello enfrenta essa incômoda situação. Não acredito nas especulações que ligam seu futuro à Force India e à Toro Rosso. A primeira já tem de escolher entre o favorito Paul di Resta, Hulkenberg e Sutil; a segunda é uma pós-graduação de jovens pilotos advindos das categorias de formação e são patrocinados pela Red Bull desde os primeiros passos. Além disso, o sucesso inegável de Vettel, seu mais famoso produto, dá à fábrica de bebidas energéticas a certeza de que está no caminho certo. Esses boatos, aliás, são limitados a alguns comentários feitos em blogs daqui, daqueles que o público escreve no pé das notícias. Na Europa ninguém ouviu falar nem leva a sério o que consideram apenas delírios.Espero que não se propaguem. Se isso acontecer, temo pela saúde mental da minha já torturadíssima caixa de entrada. Ela precisa de repouso. Por favor, contenham-se. Meus olhos, meus ouvidos e minha caixa de entrada agradecem.

Lito Cavalcanti

Quer comentar a coluna com o Lito? Escreva para: lito.cavalcanti@autoracing.com.br

AS – www.autoracing.com.br

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