F1 – Tocadas

quarta-feira, 1 de abril de 2020 às 14:38

Tocadas

Por Adauto Silva

Tenho visto o pessoal nos comentários falar muito em tocada dos pilotos, um assunto que eu adoro e certamente o que mais observo desde que peguei o vírus do automobilismo. Assistir centenas ou mesmo milhares de horas de câmeras onboard com som nítido é essencial para entender as nuances das tocadas, que são mínimas, mas fazem a diferença entre ser um ótimo piloto num carro específico, com um regulamento específico, ou ser um grande piloto ao longo de toda a carreira com carros, pneus, aero e regulamento diferentes.

Com um formato em flecha e com a frente muito mais leve que a traseira, todo monoposto tem a tendência de ser dianteiro na entrada e muitas vezes no contorno de curva. Os engenheiros tentam tirar essa tendência no projeto para tornar o carro neutro, porque isso é o ideal. Mas não conseguem fazer com que o carro se comporte de maneira neutra sempre. É aí que entra o acerto específico de carro para cada pista e para cada piloto.

Uma vez que não é possível ter um carro neutro em todas as curvas, alguns pilotos, a maioria, prefere carros com tendência a escapar de traseira, mas existe uma minoria que prefere um carro que escape de frente, dianteiro.

Mas hoje em dia o problema de ter um carro mais dianteiro é que se o piloto não se sentir absolutamente confortável com isso – como o Alonso e o Button , por exemplo -, ele destruirá os pneus dianteiros em poucas voltas, que é o que um piloto que prefere um carro traseiro (a maioria) faz. Ou ele fica mais lento, porque a maneira de corrigir escapadas de frente é tirando um pouco o pé nas entradas de curva.

Um carro dianteiro é mais fácil de guiar, pois a frente “avisa” no volante que está escapando, enquanto um traseiro não avisa nada, precisa ter uma ultra sensibilidade no acelerador – e na bunda do piloto – para entender que a traseira está prestes a escapar, porque depois que ela vai, é dificílimo trazer de volta sem rodar ou perder muito tempo. Em circuitos ovais é praticamente obrigatório tornar o carro dianteiro, porque não há espaço para consertar uma escapada de traseira a 340 kph a centímetros do muro.

Os carros de rua, mesmo os muito esportivos com tração traseira – escapam de frente nas entradas de curva. Eles fazem isso porque a cambagem que os fabricantes determinam colocam as rodas dianteiras paralelas ou até positivas, enquanto as traseiras são bastante negativas. Assim o carro fica dianteiro nas entradas de curva e geralmente é só o motorista tirar o pé quando a frente escapar que o carro corrige sozinho, evidentemente se ele não estiver muito acima do limite de aderência.

Nunca se esqueça que quando você for trocar os pneus de seu carro e estiver com a grana curta podendo só comprar dois novos, coloque-os na traseira, nunca na frente, apesar do instalador te dizer o contrário.

Voltando aos monopostos em circuitos mistos ou de rua, o ideal é um carro neutro, mas isso é muito difícil de conseguir em todas as curvas de qualquer circuito. Os pilotos tentam diferentes acertos nos treinos para se sentirem nais confiantes no carro em curvas-chaves da pista e tentam “se virar” nas outras. E esse “se virar nas outras curvas” é o que faz a diferença entre eles.

Pilotar um carro de corrida no limite sempre é também um exercício mental, tanto do piloto propriamente dito, quanto da sua relação com seu engenheiro. Um piloto pode ser mais lento que seu companheiro de equipe em uma ou outra curva, mas se ele for mais rápido nas curvas-chaves da pista, certamente ele levará vantagem.

Em classificação isso não se aplica muito, pois os pneus aceitam “desaforos” em uma única volta voadora, mas em corrida você precisa ter um acerto equilibrado priorizando as curvas-chaves do circuito para ser mais rápido e desgastar menos os pneus.

Antigamente, “andar de lado” era bonito e em alguns casos até ganhava-se tempo, uma vez que os pneus tinham infinitamente menos aderência do que os de hoje.

Mas desde que a F1 abandonou aqueles pneus de “buggy” e voltou aos slicks, as fábricas de pneus começaram a desenvolver compostos tão aderentes que você tem que andar como se estivesse num trilho de trem para ser rápido. Uma das razões de Michael Schumacher ter se “dado mal” na sua volta à F1 foi seu estilo traseiro agressivo demais. Enquanto ele andava muito de lado (muito é modo de falar, na verdade era pouco perto de como ele andava antes) Rosberg andava no trilho e massacrou o grande campeão na Mercedes nos três anos que andaram juntos.

Fernando Alonso, por outro lado, é o maior exemplo de um piloto que sabe e gosta de andar muito rápido num carro dianteiro sem destruir os pneus, assim como Jenson Button. Por que? Porque eles andavam assim desde o kart e se acostumaram a usar uma combinação de freio-acelerador-volante muito específica para carros dianteiros. A diferença entre eles é que Button era muito mais suave no volante e conseguia manter os pneus por mais tempo que Alonso. Em compensação, Alonso sabia como ninguém continuar rápido com os pneus dianteiros desgastados fazendo o turn-in antecipado nas curvas por 6 ou 7 voltas antes da troca.

Atualmente as melhores tocadas da F1 são indiscutivelmente de Hamilton e Verstappen. Ambos fazem aquele acerto priorizando sua confiança no carro nas curvas-chaves de cada pista e andam o máximo possível no trilho. Verstappen parece um pouco mais agressivo no contorno e saída de curva, mas Hamilton é mais agressivo nas freadas.

De qualquer maneira, só saberíamos as mínimas nuances entre eles caso guiassem o mesmo carro, uma vez que suas equipes diferentes priorizam o acerto de seus carros de acordo com o que eles preferem.

Uma coisa é certa, eu vi poucos pilotos mudarem suas tocadas durante suas carreiras, durante mudanças de regulamento e mesmo dentro de uma corrida e continuarem mega-rápidos. O maior expoente desses pilotos é Ayrton Senna, um piloto que tinha resposta para absolutamente tudo como ninguém jamais teve. Niki Lauda, Fernando Alonso e Lewis Hamilton são os outros.

Schumacher era mega-rápido e muito vistoso de assistir, mas ele tinha apenas uma tocada ultra rápida, a traseira. Se ela não desse certo por qualquer razão, ele ficava em apuros. Vettel igualmente, só que é a dianteira.

Em tempo: Não importa o tipo de tocada, o piloto nunca pode andar acima do limite, pois ele fica lento. Andar acima do limite em qualquer situação é cometer overdrive. O grande piloto é aquele que sabe andar exatamente no limite do começo ao fim da volta e da corrida. Eu, por exemplo, acabei de cometer um overdrive no meu texto acrescentando isso depois de publicado… :)

Adauto Silva
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