F1: Jatos terrestres 01/10/2004)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010 às 13:34
Renault: um dos jatos terrestres

Muitos já chamaram os bólidos da Fórmula 1 de jatos que “voam” sem decolar. A analogia tem ainda mais fundamento se for observada a relação tecnológica e científica destes campos: por suas particularidades únicas, a categoria top do automobilismo tem uma relação cada vez mais próxima da aviação e da indústria aeroespacial.

As indústrias aeronáutica e aeroespacial são antigas fontes de pesquisa para os engenheiros da F1. Quando se trata de tecnologias de vanguarda, materiais raros ou novas técnicas de produção, até mesmo o menor ganho merece ser incorporado ao projeto. Mas longe de ser um relacionamento de mão única, esta colaboração entre a F1 e a aeronáutica é uma troca contínua, pois os gigantes das indústrias aérea e espacial também podem aprender segredos com o automobilismo.

Desde os primeiros dias da F1, nos anos 50, o mundo da aviação estava presente no paddock. Os fãs das corridas eram muitas vezes entusiastas dos aviões e vice-versa. Muitos circuitos britânicos da época – incluindo o famoso Silverstone, que recebeu a primeira corrida da história da categoria – eram de fato antigos campos de pouso da II Guerra Mundial, nos quais os GPs eram organizados de tempos em tempos. Desde então, as duas áreas passaram por constantes evoluções. Mas há inúmeros pontos comuns entre ambas.

O surgimento da aerodinâmica, o desenvolvimento do efeito solo e o uso de certos materiais especiais sucessivamente marcaram este relacionamento ao longo dos anos. Há inúmeras razões para isso. “Antes de tudo, apenas a indústria da aviação emprega técnicas e materiais tão avançados”, explica o diretor-técnico de chassi da equipe Renault, Bob Bell. “Além disso, os recursos cada vez mais disponíveis para as equipes de F1 permitiram que elas realizassem suas pesquisas e usassem tecnologia altamente sofisticada, o que as levou a olhar para outros campos de atividade, como a aviação e a exploração espacial”.

Renault R24

O modelo R24, modelo da temporada 2004 da Renault, é um carro que deve muitos de seus segredos e características à indústria aeronáutica. Seu chassi de fibra de carbono combina peso reduzido com rigidez torcional; as graxas e lubrificantes usados possuem certas propriedades dos óleos usados nos aviões de carreira; o sistema de controle hidráulico e tudo que diz respeito a esta área de alta precisão vêm das mesmas fontes.

E a lista continua: produção por stereolithography (processo pioneiro que constrói modelos tridimensionais a partir de polímeros líquidos sensíveis à luz, que se solidificam quando expostos à radiação ultravioleta) de peças-protótipo; as origens dos sistemas eletrônicos embarcados; freios de carbono; o uso de Metal Matrix Composites (MMX, ou materiais compósitos de matriz metálica), entre outros.

Todas essas técnicas devem algo ou à aviação ou à indústria aeroespacial. De outro lado, muitos engenheiros que projetaram carros no grid de 2004 fizeram sua formação acadêmica na aeronáutica – característica comum a Bob Bell (Renault), Adrian Newey (McLaren) e Mike Gascoyne (Toyota), apenas para nomear alguns. Sua formação reflete a importância da aerodinâmica no desempenho dos carros de hoje.

“A confirmação da parceria entre a equipe Renault e a Boeing, no começo deste ano, foi algo lógico e natural”, frisa Bob Bell. “Juntos, podemos produzir grandes realizações. Um carro de Fórmula 1 jamais usará uma peça de um avião, mas é possível desenvolver um intercâmbio frutífero por meio do teste de metodologias, técnicas de produção, máquinas e materiais no contexto da Fórmula 1, de forma a nos beneficiarmos mutuamente neste ambiente de reações únicas e rápidas do nosso esporte.”

Motor RS24

Há também ligações entre a aeronáutica e o motor RS24. “No projeto de um V10, as tolerâncias são tão estritas que a qualidade dos materiais que usamos, produzidos em pequenas quantidades, é crucial”, explica Bernard Dudot, gerente-geral delegado em Viry-Châtillon, França, fábrica de motores de F1 da Renault. “De outro lado, a relação preço X quilo atual da F1 é mais próxima da indústria espacial do que a da aviação.”

A busca de qualidade em cada fase de um projeto e o uso de materiais capazes de oferecer rigidez e desempenho com pesos cada vez menores são as principais razões por trás desse interesse comum de indústrias que utilizam pequenas escalas de produção, qualidade impecável e materiais caríssimos. Dudot lembra que a Renault privilegia há muito tempo este tipo de associação, inclusive na época de sua atuação como fornecedora de motores para a F1 na década de 1990.

“Nossa briga com a Honda nos levou a iniciar este tipo de relacionamento. Buscávamos novas áreas nas quais poderíamos obter benefícios. A indústria aeronáutica é praticamente inexistente no Japão, ao passo que ela florescia na Europa. Então, começamos a trabalhar com fornecedores especializados, pois não era lógico reinventar o que já existia.”

“De uma forma geral, todo o departamento de engenharia da Renault se beneficia deste conhecimento adquirido”, continua Dudot. “A experiência obtida trabalhando com a indústria espacial pode ser marginal em algumas ocasiões, mas ela sempre enriquece. E não é falso afirmar que, no final das contas, os clientes da Renault lucram com esta iniciativa”, finaliza.

A Renault e a Agência Espacial Européia

Renault

A entrada de ar do motor RS24 V10 é um componente vital no desempenho do propulsor Renault. Ela deve não apenas otimizar o fluxo de ar para o motor (500 litros por segundo), mas também precisa garantir que este fluxo seja o mais fluido possível. Desta forma, ela impede a criação de turbulências dentro dos dutos de admissão, otimizando também a combustão.

Por esta razão, a Renault assinou um contrato de parceria com a Agência Espacial Européia (AEE) para projetar esta peça especial. “O trabalho da AEE é essencialmente focado na digitalização da entrada de ar”, explica Bernard Dudot. “Os cálculos de geração da trama volumétrica são extremamente complexos e, vale frisar, se referem à acústica do fluxo de ar para o motor.”

De fato, apesar de a maior parte do trabalho em aerodinâmica ser realizado em Enstone (Inglaterra) – na fábrica de chassis – este projeto em particular exige conhecimentos especializadíssimos. “O objetivo é obter uma resposta acústica que ajude o motor a ‘respirar’ mais facilmente e, assim, atingir maiores giros”, esclarece Dudot. Esta parceria é parte de um programa de transferência de tecnologia exclusivo da Renault.

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