F1 – Coragem e Paixão

quinta-feira, 18 de julho de 2019 às 17:09

Jean-Pierre Beltoise Monaco 1972

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

F1… GP DE MÔNACO 1972… O dia 14 de Maio, daquele ano, começa chuvoso, escuro, luzes pálidas, aqui, ali, escapam pelas janelas das elegantes edificações, a bela cidade, cativa entre o Mediterrâneo e suas escarpas, parece melancólica nas primeiras horas da manhã.

Perto das treze horas desaba um verdadeiro temporal, Jean-Pierre Beltoise, piloto da BRM, quarta ou quinta força entre as equipes, instalado no grid de largada, aguarda o momento de partir. Observa fotógrafos, mecânicos circulando entre os carros, faz projeções sobre o grau de deslizamento no molhado, espaço de frenagem nas ruas encharcadas, ao mesmo tempo experimenta uma sensação desconfortável de medo.

Sabe quanto à chuva na viseira do capacete embaralha a visão, sem contar óleo e lama arremessados pelo carro a frente, um piloto seguindo outro, nada vê, a não ser o veículo que o precede levantando uma cortina de água, é obrigado a segui-lo cegamente, confiando no bom senso do rival.

Sobe a placa de três minutos, momento que antecede ação, o guerreiro que vive pela espada e morre pela espada, assume o comando, afinal de contas, costuma obter ótimos resultados nessa circunstância, a BRM tem boa reputação no molhado, enxuga cuidadosamente a viseira, o volante, luvas, cambio e espera.

OITO ANOS ANTES… 12 HORAS DE REIMS 1964… Primeira hora da madrugada, Beltoise com uma René Bonnet segue de perto o Alpine de Mauro Bianchi, a frente deles uma Ferrari GT derrama óleo na pista, a poça é pouco visível à noite, Mauro percebe a situação, diminui, evita a derrapagem, Jean-Pierre em maior velocidade, encoberto pelo Alpine, derrapa descontroladamente, a máquina capota seis vezes, o piloto é ejetado cinquenta metros do acidente, a René Bonnet cai num fosso ardendo em chamas.

Jean-Pierre livrou-se de morrer carbonizado, porém o desastre rendeu-lhe três dias e três noites em coma, além do joelho esquerdo fraturado, os pulsos quebrados, um fêmur fraturado, cotovelo triturado, deslocado, dezessete fraturas cominativas, escoriações diversas e traumatismo craniano.

Passados vários meses do terrível acidente, munido de atestado médico bastante duvidoso, consegue autorização para participar de uma corrida de motos em Cotê Lapize. Sob tremenda desconfiança dos comissários, coloca na linha de partida sua Bultaco emprestada pela fábrica, mancando, ainda com dores, sem articulação no cotovelo esquerdo, braço desprovido de movimentos horizontais, pulsos duros como um pedaço de madeira.

Para espanto geral, vence a prova, calando todos que apostaram na sua incapacidade de pilotar, numa pista, qualquer coisa com motor e rodas.

F3… GP MÔNACO… 21 DE MAIO 1966… Nos boxes o chefe da equipe Matra Cosworth, André Legan, sempre de terno, checa os ajustes finais, sabe que tem chance de vencer, bom carro e ótimo piloto.

Noventa participantes de toda parte do mundo, divididos em dois grupos para duas corridas classificatórias, uma terceira e decisiva com os melhores qualificados. Alinhados 3-2-3 partem, Pike lidera seguido de Jacky Ickx, Ahrens, Peter Ghethin, Jean-Pierre Beltoise em sétimo. No meio da prova o francês lidera, sete segundos de vantagem e vence a primeira bateria.

Final… Terceira bateria… Última volta… Beltoise na frente, colado nele Irwin, mantém vantagem na chicane, no Bureau de Tabac. No Gasômetro a Matra escorrega demasiado de traseira, corrige, desfaz um segundo movimento, Irwin embute, assim mesmo Beltoise recebe a quadriculada 5/10 a frente do adversário.

F2… GP ALEMANHA NURBURGRING 1966… Jean-Pierre agora na Matra F2, equipe coordenada por Ken Tyrrell, divide a equipe com Jack Stewart, Jack Ickx, Jô Schlesser, ao mesmo tempo em que participa do campeonato de F3.

Devido a peculiaridade do circuito alemão, quase 23 km, os organizadores decidiram correr na mesma prova o GP de F1, com classificação separada. Uma chuva persistente, impiedosa castigava a região, sem dar mostras que ofereceria trégua para os pilotos nos 176 ganchos e curvas de Nurburgring.

Prova de muitos acidentes, panes mecânicas, morte do inglês John Taylor com uma Brabham, ao chocar-se com Jack Ickx. Primeiro colocado na F2, oitavo na classificação geral, Beltoise teve uma corrida tranquila apesar de grande susto causado por um vento lateral, no mesmo lugar onde Jim Clark e Piers Courage já haviam saído. Jack Brabham vence na F1.

DE VOLTA A 1972… F1… GP DE MÔNACO… Chove muito, Jean-Pierre, quarto tempo, larga ao lado da Ferrari de Regazzoni, tendo a frente outra Ferrari com Ickx e o Lótus negro do pole Emerson Fittipaldi. Trinta segundos mostra a placa, no final do pelotão um fiscal cruza a pista, agitando a bandeira verde, o barulho infernal dos motores aspirados V8 estremece as tribunas e qual um esquadrão furioso, saem buscando os loros da vitória.

O determinado francês traciona deforma perfeita, deixa Clay Regazzoni para trás, na freada para Saint Devote ultrapassa Emerson e Jacky Ickx dispara à frente, desafiando os limites de aderência, da razão lógica. Seu desempenho é soberano, quase surreal, quanto mais acelera, mais a BRM gruda no molhado, antes de atingir a metade da prova coloca uma volta no quinto colocado.

Ao cabo das oitenta voltas, recebendo os devidos aplausos, cumprimentos pela sua única e espetacular vitória na F1, havia deixado marcas impressionantes nas ruas de Monte Carlo:

Melhor volta, 1:40.0 – 38 segundos de vantagem para o segundo colocado, Ickx, um especialista no molhado, com a poderosa Ferrari. – 01 volta sobre o terceiro, Emerson Fittipaldi, campeão de 1972. – 02 voltas em cima de Jackie Stewart, quarto colocado, que no ano posterior, 1973, seria o recordista de vitórias na F1. – Brian Redman, o quinto, 03 voltas. – Helmut Marko, o atual chefão da Red Bull, à época seu companheiro na BRM amargou 03 voltas para o endiabrado Beltoise. – A outra Lótus dirigida por Dave Walker, 05 voltas. – Um campeão mundial Denny Hulme, com a eficiente McLaren, 06 voltas. – o último a terminar o GP, José Carlos Pace estava com 08 voltas de atraso.

Desde que os homens passaram a desafiar-se com seus veículos numa pista, o automobilismo produziu milhares de histórias, esta foi uma delas, movida pela coragem e paixão.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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