De Vettel e de Freud

quarta-feira, 11 de maio de 2011 às 16:54

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Duas disputas ao mesmo tempo na reta de Istanbul

 

Conteúdo patrocinado por: selopatrocinio_copy_copy

O nosso site preferido, esse autoracing.com.br, realizou uma pesquisa na segunda-feira cujo resultado embaralhou minhas conclusões. Nela, se perguntava aos inúmeros leitores o que acharam do Grande Prêmio da Turquia. O resultado foi amplamente favorável, a maioria deu nota 8. Oitão. Imagina se eu tirasse oito com essa facilidade no colégio. Minha mãezinha teria sofrido muito menos. E olha que não fui tão mau aluno, mas oito era um sonho…

Combina com minha opinião da corrida, mas não com muitas opiniões que ouvi. Principalmente no Facebook, onde a esmagadora maioria que me antecipou seu veredito classificou-a como chata, monótona, previsível. A razão de tanto desgosto foram as muitas ultrapassagens. Sim, muitas, nada menos de 79, um recorde desde 1983, ano em que a F1 passou a compilar suas estatísticas. O que desagrada a gregos e troianos é a suposta facilidade com que foram obtidas. Para muitos, bastava abaixar a asa e, shazam, lá se ia o perseguidor, voando a velocidades inalcançáveis.

Vi uma corrida diferente – tão diferente que fui em busca da opinião de um psiquiatra que esclarecesse quem anda sofrendo alucinações. Na corrida que vi, vários pilotos lutaram intensamente por posições, muitas vezes lado a lado nas três curvas que fecham cada volta pelo belíssimo circuito de Istanbul Park. E antes que comecem eventuais comentários pouco elogiosos à minha inteligência, ressalto que a grafia original é com n mesmo, IstaNbul. É turco, não português.

Foi assim, inicialmente, com o Nico Rosberg. Mesmo sabendo que quando o tanque está cheio seu carro passa de carruagem a abóbora, o alemãozinho forçou os adversários a justificarem seus salários. Bateu rodas sem medo e só se deu por vencido quando já não era mais possível continuar lutando. E quando o tanque se esvaziou, voltou a dar show.

Vi o Felipe Massa de dentes trincados na curva Um, no começo e no fim da corrida, passando quem estava à sua frente. Vi o Rubinho Barrichello fazer um começo de corrida espetacular, brigando com os dois Renault como se tivesse carro para isso. Mesmo que volta após volta ficasse claro que isso ele ainda não tem.

Mas confesso que também vi muita ultrapassagem em que a tal asa móvel parecia o tal push-to-pass, aquele botão que, pressionado, aumenta repentinamente a potência dos motores. Aliás, os dois são parentes, membros da família Artificial da Silva. Artificializam as ultrapassagens que os puristas condenam e rejeitam.

Mas até o ano passado a gente não se queixava de que não dava para aturar uma Fórmula 1 sem ultrapassagens? Ah, entendi, passou da medida. Está mais para cesta de basquete que para gol no futebol. Vulgarizou. Com a agravante de não dar ao atacado as mesmas armas de que dispõe o atacante. É, não deixa de ter sua razão quem critica essa inovação.

Nem tanto ao céu nem tanto ao mar. Teve dos dois tipos. E não há motivo para desespero nem maldições. A FIA deixou claro desde o começo do ano que essa é uma obra não acabada; pode ser corrigida. E deve, concordo.

Então me diga, doutor, sem meias palavras: quem é o louco? Eu ou esse pessoal que só fala nas ultrapassagens fáceis e, no ardor das críticas, esquece as lutas que eu, pelo menos eu, vi.

Isso mesmo, doutor, toda essa revolta é por causa daquelas ultrapassagens no meio da reta. Também acho, elas foram fáceis, mas foi por causa do desgaste dos pneus, não pelo recolhimento das asas. Claro, quem acelera mais cedo na curva de entrada das retas tem mais velocidade nas referidas retas. E para acelerar mais cedo, tem de ter mais aderência. Elementar, meu caro Freud.

Foi isso, por sinal, que o Alonso mostrou ao Webber na 29ª volta. Algumas voltas (e também algumas trocas de pneus) mais tarde, o Webber deu o troco ao Alonso – que, aliás, nem se deu ao trabalho de resistir, entregou a posição em uma salva de prata. Foi na 50ª volta. Nas duas ocasiões, o passante tinha pneus bem melhores que o passado.

Também acho que, carro por carro, a Ferrai não tem a menor condição de enfrentar uma Red Bull no mano a mano, roda a roda. Nem mesmo a do Webber, que é muito inferior à do Vettel. Sim, por isso mesmo, uma é mais bem dirigida do que a outra, muito mais bem dirigida, diga-se.

Mesmo assim, o Alonso estava todo contente depois da classificação. Tudo porque tinha ficado 0s8 atrás do Vettel, e na China a diferença tinha sido de 1s4. Nas contas dele, a Ferrari tinha melhorado seis décimos de segundo. Esse espanhol tem cada uma…

Esqueceu que o Vettel abriu mão de dar mais uma volta voadora no Q3 para ter um jogo de pneus macios zero quilômetro para usar na largada. Se tivesse feito como na China, onde usou todos no qualify, o buraco seria bem mais embaixo – como de fato é. Também esqueceu que o carro do Vettel tinha sido demolido no vacilo que ele se permitiu ainda no primeiro treino livre. Foi um flash back, uma viagem de volta ao ano passado, quando ele e o Webber se pegaram no fim da corrida e deram a vitória de mão beijada para a McLaren. Lembra, doutor? O Christian Horner lembra, garanto. É, o Horner é o chefe da Red Bull. Esse nunca vai esquecer aquela cena dantesca.

Dessa vez, a pista ainda estava molhada e o Vettel se deu ao luxo de botar a metade da roda traseira direita na grama, como quem verifica a temperatura da água. Não sei se ele achou que, por ser artificial, aquela graminha verdinha bonitinha, teria mais aderência que a natural. Só foi descobrir que não tinha quando viajava para o guard-rail interno na tal curva Oito a Mil por Hora (merchandise descarado do blog do Rodrigo Mattar).

O carro se estabacou, caiu aos pedaços – e os pobres mecânicos tiveram de passar a noite debruçados sobre a Kinky Kylie. Doutor, o senhor é freudiano, né? Então, explica o que tem por trás dessa mania do Vettel de dar nomes de meninas, digamos, espevitadas aos seus carros. O atual, ele chama assim. Kylie, nada demais, um apelido carinhoso. Mas Kinky quer dizer sexualmente pervertida. De quem é a perversão, doutor?

Coincidência que a equipe dele, a RBR, seja austríaca, assim como seu inspirador Sigmund Freud – que também devia ter suas aberraçõezinhas, né doutor? Não, não se ofenda, foi só um pensamento livre, livre demais.

Duro seria os mecânicos darem explicações convincentes caso a mulher de um deles, desavisada, ouvisse dizer que o marido passou a noite debruçado sobre essa tal Kinky Kylie, uma pervertida sexual, como deixa claro seu nome. Pior, o safado passou a noite mexendo em suas partes mais secretas, saracoteando às vezes por cima, às vezes por baixo.

Pior seria ouvir, no dia seguinte,  os muitos elogios a toda aquela função noturna; já não bastava ver aquelas enormes, indisfarçáveis olheiras, testemunhas da noite de infame libertinagem? Ainda bem que não tinha mulher de mecânico por perto. Nem tem porque levar a mulher para um fim de semana com 81 paradas para troca de pneus. A coitada ficaria a ver navios. Não tem hora extra que pague isso.

Seja como for, no dia seguinte, Kinky Kylie e Vettel estavam de novo juntos, felicíssimos. Tanto que na sua única volta voadora na terceira e mais importante fase da classificação, o Q3, Vettel abriu a asa traseira muito antes da terceira tangência da curva Oito. Nem chegou a surpreender, até os menos atentos tinham visto ele ensaiando essa ousadia desde o treino livre do sábado. Quando o monitor mostrou o tempo de sua última volta do treino livre, 1min26s037s, ficou claro que ninguém tiraria a pole da dupla Vettel/Kynky Kylie.

Não deu outra: 1min25s610. A noite em claro tinha valido a pena. A dupla estava Voando Baixo (merchandise igualmente descarado do blog do Rafael Lopes, também conhecido como Rodrigo Cossenza).

Na corrida, não deu outra. O casal deitou e rolou. Deve ter sido por isso que tanta gente acha que tudo acabou cedo demais. Clímax precoce? Mas gente, não é só na frente, atrás também ocorrem grandes emoções. Essa frase é meio freudiana, doutor? Tiro ou deixo, doutor? Nossa, essa conversa está ficando constrangedora, cheia de duplos sentidos.

Melhor mudar o tema. Vamos falar do Massa, OK? O coitado voltou a apanhar como boi ladrão. A Ferrari erra nos boxes, ele apanha aqui. Teve gente dirigindo a essa minha humilde pessoa termos os mais chulos porque não o crucifiquei – pelo contrário, elogiei a corrida dele. Ora, o Felipe passou de 10º no grid a sexto antes da primeira troca de pneus; ultrapassou o Hamilton, o Petrov e o Heidfeld na pista; chegou a andar em quarto mesmo depois do desastre que foi o primeiro pit stop, aquele que lhe custou nos boxes o lugar que tomou do Hamilton na pista.

Para se avaliar quanto custam essas paradas, vejam os tempos de cada um nos boxes: o Vettel gastou 1min21s609 em quatro paradas; o Webber, 1min24s401; o Alonso, 1min26s121. O Massa perdeu um total de 1min33s500; pior que ele só o Hamilton, 1min39s637, mas isso porque ele teve a roda dianteira direita engastalhada na última parada. Nas outras três, foi sempre mais rápido.

Se o Massa tivesse perdido menos oito segundos nessas quatro operações, teria chegado em 10º. Ressaltando que esse cálculo é só matemático, não considera que ele teria progredido muito mais se, a cada parada, não perdesse posições e voltasse à pista sempre atrás de carros mais lentos. Em cada uma, desperdiçou tempo e energia, desgastou carro e pneus no esforço de reconquista de postos que a equipe insistia em perder no pit lane.

Esses tempos, aliás, mostram que a Ferrari está longe da Red Bull e da McLaren em termos de eficiência. Ora, se os mecânicos são treinados, ensaiam ad infinitum essa coreografia, por que a Ferrari perde sempre uma média de um segundo para as outras duas mesmo quando tudo corre bem? Sim, é legítimo aventar a hipótese de que há algo errado em algum lugar, talvez na fixação das rodas, talvez nas pistolas pneumáticas.

Claro, doutor, não sou cego. Vi que o Massa errou na curva Um tanto no qualify quanto na corrida. Mas pode-se condenar um piloto que tenta compensar no braço as limitações de seu carro? Sim, o Alonso não cometeu esse erro, mas o senhor gostou da maneira que ele entregou a posição para o Webber no fim da corrida? Ora, parecia um carneirinho. Inventou o automobilismo de resultados.

O senhor já ouviu falar da Passionária? É, uma líder heróica da resistência contra a ditadura do Franco, espanhola como o Alonso. Se celebrizou por uma frase simples, mas memorável. “No passarán”, exclamou nas trincheiras em que morreria massacrada. Seu lema era “melhor morrer de pé do que viver de joelhos”. Lindo, não doutor? É, acho que o Alonso acertou de joelhos, o Massa errou de pé.

Romântico? É, pode ser. A emoção está nas corridas, não nos resultados. Alonso guiou melhor do que o Massa? Sim, mas isso é acertar? O Massa competiu melhor do que o Alonso? Sim também. Isso é errar?

Para mim é isso. Agora o senhor me diga, doutor, por favor: sou eu quem precisa dos seus serviços profissionais? Eu só gosto de corridas, e de quem corre com a paixão que as corridas devem ter. Pelo menos as corridas que eu quero ver.

Isso é ser louco, doutor? Então, sou louco.

Lito Cavalcanti

AS – www.autoracing.com.br

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