As faces ocultas da Formula 1

quinta-feira, 22 de setembro de 2016 às 19:16
Tyrrel na antiga Curva do Sol em Interlagos

Tyrrel na antiga Curva do Sol em Interlagos

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Excluir uma equipe de um campeonato inteiro exige um conjunto extraordinário de circunstâncias, ainda mais se ela tiver no currículo um título mundial de construtores e dois de pilotos. A Tyrrell Racing foi criada em 1970 e conquistou dois mundiais de pilotos (Jack Stewart, 1971 e 1973) e um de construtores (1971). Entre 76 e 77 a equipe disputou o Mundial de F1 com o Tyrrell P34, um carro exótico com seis rodas, e conseguiu uma dobradinha no GP da Suécia em 76 com Jody Sheckter e Patrick Depailler. Em 1984, na oitava prova da temporada em Detroit (vencida por Nelson Piquet), uma vistoria no carro de Martin Brundle, segundo colocado, encontrou esferas de chumbo no tanque de gasolina e indícios de adulteração de combustível, caracterizando que a equipe utilizava recursos criativos para burlar os regulamentos técnicos. A Tyrrell, única equipe do campeonato que utilizava motor aspirado (início da era turbo), foi desclassificada e banida da F1, seus pontos até então no mundial de construtores (13) foram cancelados.

Algumas das penas foram posteriormente revertidas em tribunais de apelação, porém impossibilitada de utilizar recursos proibidos, a equipe entrou em declínio e foi vendida. O acervo e a sede de Brackley, Inglaterra, passaram pelo controle da British American Racing, Honda Racing e ressurgiram como Brawn GP, que em 2009 alcançou o título de construtores e de pilotos (Jenson Button). A Brawn GP proporcionou também a última vitória de Rubens Barrichello na F1. Atualmente a base operacional da antiga Tyrrell é uma das instalações de pesquisa da equipe Mercedes AMG Petronas Formula One.

A equipe suíça Sauber, que já abrigou pilotos como Felipe Massa, Kimi Raikkonen e Jacques Villeneuve, tem como um dos principais patrocinadores o Banco do Brasil e, no início da temporada de 2015, protagonizou uma situação jurídica bizarra, havia três pilotos com contrato assinado para apenas dois carros. Apesar de ampla divulgação dos nomes de Marcus Ericsson e Felipe Nasr como pilotos, Giedo van der Garde apresentou-se no paddock da prova de abertura em Melbourne exigindo uma vaga, que teria direito de acordo com um contrato assinado em 2014. O caso foi parar em um tribunal local que, inicialmente, decidiu em favor do piloto holandês. Após alguma indefinição, em que a participação da equipe na prova ficou ameaçada, houve um acordo e Nasr e Ericsson foram confirmados para o resto da temporada. O fato ilustra as dificuldades das equipes com poucos recursos no ambiente cada vez mais seletivo e dispendioso da Fórmula 1.

Nelsinho Piquet - Cingapura 2008

Nelsinho Piquet – Cingapura 2008

Fernando Alonso estreou na Fórmula 1 em 2001 e foi bicampeão mundial em 2005/2006 pela Renault. Em 2007 pilotou uma McLaren, voltou para a Renault em 2008, compartilhando o box com Nelsinho Piquet. A décima quinta prova da temporada do ano foi a corrida noturna no traçado urbano de Cingapura, um circuito onde as ultrapassagens eram quase impossíveis antes do uso da asa móvel. O chefe da equipe, Flavio Briatore, optou por uma estratégia criativa, pediu para Nelsinho Piquet provocar a entrada do Safety Car na pista na volta quatorze, para obrigar todos os pilotos fazerem suas paradas para reabastecimento e troca de pneus. Fernando Alonso fez uma parada prematura duas voltas antes, aproveitou a oportunidade para assumir a liderança e vencer a corrida.

A história foi descoberta depois que o piloto brasileiro foi dispensado pela equipe e revelou a trama. Briatore foi banido da Fórmula 1, Pat Symonds, membro da equipe, suspenso por cinco anos e o piloto espanhol, por falta de provas, foi absolvido. Fernando Alonso também participou de um incidente atípico pilotando uma Ferrari na Alemanha de 2010, ao disputar a liderança com o companheiro de equipe, foi beneficiado por uma frase transmitida por rádio para Felipe Massa, que marcou época na F1: “Fernando is faster than you”. Muitos consideram Alonso o melhor piloto em atividade, talvez seja, mas com certeza não é dos mais éticos.

GP da Austrália, 2009. Durante uma bandeira amarela, Jarno Trully perdeu-se em uma curva e saiu da pista, permitindo a ultrapassagem de Lewis Hamilton, que vinha logo atrás. O britânico consultou o box (via rádio) e foi informado que deveria devolver a posição, então, permitiu a ultrapassagem do italiano. Jarno perdeu a posição por ter saído da pista, e a recuperou ainda sob bandeira amarela, no traçado normal. Pela manobra, ultrapassar em bandeira amarela, o piloto da Toyota foi penalizado com 25 segundos, depois da McLaren ter afirmado aos comissários de pista que Lewis não cedeu a posição voluntariamente. Com a punição Trully perdeu a terceira colocação para Hamilton. Mensagens de rádio recuperadas provaram, no entanto, que Hamilton e a McLaren mentiram deliberadamente para provocar a penalização de Trully e, deste modo, herdar a sua posição. Descoberta a esperteza, Hamilton foi desclassificado e a McLaren suspensa por três corridas, penalização nunca cumprida. Este episódio foi batizado como “LieGate”.

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Nigel Stepney

A McLaren também protagonizou outro incidente em 2007, um caso de espionagem industrial. A Ferrari denunciou que um de seus funcionários, Nigel Stepney, compartilhou dados confidenciais da equipe com Mike Coghlan, que trabalhava com os britânicos. O caso foi descoberto por um funcionário de uma loja de fotocópias, que alertou à fábrica de Maranello sobre documentos técnicos que haviam sido deixados para a esposa de Coghlan. Os desdobramentos do episódio transcenderam aos limites de disputa esportiva e evoluíram para a esfera criminal. Coghlan declarou que vários funcionários da empresa tiveram acesso aos dados adquiridos ilegalmente, porém a direção da McLaren negou a informação.

A empresa foi denunciada para o Conselho Mundial de Automobilismo por violação do código desportivo, escapou de uma punição por ausência de provas materiais. Uma nova evidência surgiu de uma troca de e-mails entre Fernando Alonso e Ron Dennis, o Tribunal de Apelação Internacional solicitou uma investigação mais abrangente e identificou que vários funcionários da McLaren – incluindo Alonso e o piloto de testes Pedro de la Rosa – utilizaram dados confidenciais da Ferrari. A McLaren foi multada em US$ 100 milhões e teve os pontos conquistados no campeonato de construtores do ano zerados.

GP dos Estados Unidos de 2005

GP dos Estados Unidos de 2005

O grande prêmio com o menor número e competidores da história da F1 ocorreu em 2005 no circuito de Indianapolis. Em uma época onde havia concorrência de fornecedores de pneus, a Bridgestone equipava três equipes e as restantes utilizavam compostos Michelin. Nos testes livres e para definição do grid de largada houveram vários incidentes com pneus Michelin na curva 11. A fabricante assumiu que não tinha condições de garantir a segurança de seus produtos caso não houvessem modificações no traçado da pista, solicitação que não foi aceita pela FIA.

Preocupados com a responsabilidade criminal em caso de algum acidente grave, a Michelin orientou a todas as equipes que utilizavam seus pneus para que realizassem apenas a volta de apresentação (exigência contratual) e recolhessem os carros aos boxes. A largada foi autorizada com apenas seis carros no grid, 2 Ferrari, 2 Jordan e 2 Minardi, e criou uma enorme publicidade negativa para a Fórmula 1, em especial nos Estados Unidos.

Alain Prost com Balestre

Alain Prost com Balestre

Para os brasileiros que acompanharam a época de ouro de Ayrton Senna na F1, a simples menção do nome de Jean-Marie Balestre provoca engulhos. No incidente entre Senna e Prost em 1989, no GP do Japão em Suzuka, houve a interferência direta do então presidente da FISA, para desclassificar o piloto brasileiro e garantir o título antecipado para seu amigo pessoal Alain Prost. Ciente que era odiado no Brasil, Balestre fez questão de desfilar na pista de Interlagos no início da temporada de 1990, sorrindo enquanto recebia uma enorme vaia. O (falta de) caráter do francês apresentou uma amostra anos antes, no início do campeonato de 1982 a FISA estabeleceu uma regra para distribuir as “Superlicenças”, que obrigava os pilotos a assinarem contratos de três anos e proibiam qualquer tipo de comentário contra a entidade.

A polêmica estendeu-se até o paddock da primeira prova em Kyalami e resultou em um inédito boicote dos pilotos, liderados por Didier Pironi e Niki Lauda, que na noite anterior aos primeiros testes livres decidiram permanecer no hotel. Pressionado por equipes, patrocinadores e organizadores do evento, Balestre ensaiou um recuo verbal, cancelando as exigências e prometendo que não haveria sanções. Terminado o evento, o presidente da FISA impôs pesadas multas aos pilotos por desafiarem as deliberações da entidade. As penalidades foram posteriormente reduzidas pela FIA.

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Brabham BT46B – Niki Lauda

A criatividade dos projetistas da F1 em busca de melhor desempenho é ilimitada. O Lotus 78, projetado pela equipe de Colin Chapman, introduziu o conceito de carro-asa criando um efeito solo que permitia, em função da maior estabilidade, contornar curvas em altíssima velocidade. O Lotus 78 proporcionou um título Mundial para Mario Andretti. Na busca de como compensar a vantagem obtida pela Lotus, o projetista da Brabham, Gordon Murray, utilizou uma máxima adaptada de Lavoisier, “na Fórmula 1 nada se perde, nada se cria, tudo se copia”.

Ele projetou o BT46, um carro com um enorme ventilador na parte traseira, explicou que era um sistema de refrigeração alternativo quando, na verdade, seu objetivo era sugar o ar debaixo do assoalho do carro, criando um “downforce” equivalente ou maior que o do carro-asa. O BT46 venceu a única corrida que disputou, pilotado por Niki Lauda, e foi banido das pistas por questões de segurança, seu ventilador gerava muita turbulência em um tempo onde a perda do efeito solo fazia os carros, literalmente, decolarem.

Ayrton Senna e Alain Prost

Ayrton Senna e Alain Prost

O comportamento dentro e fora das pistas de Nico Rosberg e Lewis Hamilton embaraça o conceito de companheiros de equipe, entretanto não é exatamente uma novidade na Fórmula 1. Acontece sempre que uma equipe desenvolve um carro muito superior às demais e contrata pilotos com personalidade forte. A Ferrari é exceção, faz constar em contrato que as ordens da equipe não contemplam contestação, o que explica a obediência cega de Felipe Massa no episódio “Fernando is faster than you” e a ultrapassagem de Schumacher sobre Barrichello no GP da Áustria em 2002, imortalizada pela narração de Cleber Machado (“Hoje não, hoje não, hoje sim!”).

Quando a Williams desenvolveu um carro fantástico, o ambiente nos boxes entre Nelson Piquet e Nigel Mansell deteriorou e é antológica a cena de Patrick Head, chefe da equipe, esbravejando nos boxes de Hockenheim em 1986 quando chamou o inglês para troca de pneus e o brasileiro se apresentou antes. A rivalidade de Senna com Prost resultou em acidentes (não necessariamente acidentais) que decidiram os campeonatos de 89 (Prost) e 90 (Senna). Sobre estes eventos, Senna reconheceu tempos depois que nada fez para evitar o choque com Prost em 1990, o francês nunca admitiu ter forçado a batida entre eles em 1989. A convivência de Prost com Niki Lauda em 1984 também foi pontuada por desencontros, o austríaco venceu o campeonato com uma diferença de meio ponto.

Schumacher e Barrichello - Áustria 2002

Schumacher e Barrichello – Áustria 2002

Dick Vigarista é um personagem fictício criado pelos estúdios Hanna-Barbera para compor o elenco do desenho animado Corrida Maluca, sua principal característica é utilizar todos os subterfúgios possíveis para vencer. Michael Schumacher é inegavelmente uma lenda do esporte, mas continua sendo uma das suas figuras mais controversas pela tendência em envolver-se em incidentes polêmicos na F1. Em 1994 foi muito criticado ao colidir com Damon Hill no último GP do ano, na Austrália, a exclusão de ambos da prova garantiu seu título na temporada. Um episódio semelhante ocorreu ao tentar evitar uma ultrapassagem de Jacques Villeneuve em 1997, no GP da Europa disputado no circuito de Jerez, o alemão manobrou de uma maneira acintosa para tirar o canadense da prova. Não funcionou, Villeneuve permaneceu na corrida e venceu o campeonato.

Neste evento, entretanto, o comportamento de Schumacher impressionou a FIA, que o penalizou, por conduta antidesportiva, com a exclusão de todos os pontos obtidos na temporada, uma das penas mais rigorosas já aplicadas pela entidade para um piloto. Sobre o acontecido a mídia escrita alemã foi cáustica, o jornal Bild disse que Schumacher foi o culpado pelo acidente, “Apostou alto e perdeu tudo, o campeonato mundial e a sua reputação”, o Frankfurter Allgemeine o chamou de kamikaze sem honra, e concluiu “o mito está começando a desabar porque suas fundações estão com defeito”. Algumas atitudes de Schumacher nas pistas parecem ter sido inspiradas em Dick Vigarista.

Max Mosley foi um dos sócios fundadores da March Engineering (anos 70 e 80), sucedeu Jean-Marie Balestre na FISA em 1991 e foi eleito presidente da FIA em 1993. Ele é filho de Oswald Mosley, um oficial do exército do Reino Unido que sempre se orgulhou da presença de Joseph Goebbels e Adolf Hitler em seu casamento. Em março de 2008, uma reportagem do tabloide inglês News of the World divulgou vídeo e fotos de Mosley envolvido no que a imprensa britânica classificou como “orgia sadomasoquista nazista”. Além do dirigente, as cenas mostraram cinco prostitutas, supostamente contratadas por Mosley, fazendo apologia ao nazismo.

A reação foi imediata, Mosley divulgou uma carta onde reconheceu ter patrocinado a orgia e pediu desculpas pelo constrangimento causado. O dirigente cancelou a presença no GP do Bahrain depois do sheik, autoridade máxima do país, anunciar que sua presença não era benvinda. Os fornecedores de motores para F1, BMW e Mercedes, emitiram notas de explicitando o seu desagrado, a Toyota desaprovou o comportamento do presidente da FIA indicando prejuízo para a imagem da categoria e a Honda posicionou-se dizendo estar extremamente decepcionada, lembrando a necessidade de figuras-chave do esporte manterem níveis de conduta adequados para cumprirem seus papéis com integridade e respeito. As acusações que a orgia, base do escândalo, era uma apologia ao nazismo sempre foram negadas por Mosley.

A investigação sobre as denúncias constatou que a pessoa que filmou as cenas, uma das cinco prostitutas contratadas para participar do ato, era casada com um agente do serviço secreto MI5 da Inglaterra. Mosley acionou a justiça britânica e ganhou uma ação contra o tabloide, argumentando que a orgia não era de temática nazista e não havia relevância pública para publicar imagens obtidas através da invasão da privacidade.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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