A obra prima de Button

quarta-feira, 15 de junho de 2011 às 2:45

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Jenson Button vence em Montreal, Canadá 2011

 

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Sempre considerei Jenson Button um bom piloto, muito bom até, nada além disso. Mas o Button que venceu magistralmente o Grande Prêmio do Canadá foi muito além disso, foi a alturas que só mesmo os grandes campeões um dia atingiram.

Button fez uma corrida épica, com contornos dignos de um Fangio, um Clark, um Senna. O circuito Gilles Villeneuve foi o palco ideal para o brilho de uma estrela quase sempre opaca, ofuscada pelo talento exuberante de Vettel, Hamilton e Alonso.

Cair para último mais de uma vez, parar nos boxes seis vezes e ainda vencer uma corrida que tinha em Vettel um líder absoluto é uma façanha histórica. É muito mais do que o próprio Button um dia ousou sonhar.

Mas foi o velho e bom Jenson Button que fez tudo isso. O Button que, para muitos, só foi o campeão de 2009 por ser o complemento de um carro infinitamente superior aos adversários.

Nunca, nos últimos anos, se viu um piloto com tão completo controle mental, imprescindível para vencer a corrida mais longa de todos os tempos.

A isso, uniu capacidade inigualável de lidar com as idas e vindas das 70 voltas que compuseram este GP imprevisível e inesquecível.

E completou sua obra prima com uma habilidade que o levou a ser, por vezes, quatro segundos mais rápido que o até então irrepreensível Sebastian Vettel e seu mais que perfeito Red Bull.

Mas entre as muitas qualidades exibidas por Button nessa corrida não está a perfeição – e ironicamente isso faz sua atuação ainda mais primorosa. A sorte, porém, supriu sua falta.

Superado pela quinta vez em sete largadas por seu companheiro, Jenson protagonizou um início próximo do desastroso. A batida entre ele e Hamilton deveria ter sido o fim para os dois McLaren – mas quis o destino que seu carro seguisse incólume.

Mais que isso, a parada para substituir o pneu furado antecipou a troca dos pneus de chuva para os intermediários. Isso lhe permitiu passar de 14º no retorno à pista a oitavo, mesmo que a volta aos pneus de chuva pouco antes da bandeira vermelha o tenha jogado de volta ao 11º lugar.

Lucro puro, considerando que neste ínterim ele precisou cumprir um lentíssimo drive through por ter superado a velocidade limite do regime de Safety Car. Havia sido seu segundo erro em apenas 12 voltas.

Naquela altura, nada parecia se encaminhar para uma atuação tão primorosa. Pelo contrário. Porque parece insofismável sua culpa na colisão com Hamilton.

Um piloto com toda sua experiência não podia ignorar que Hamilton atacaria imediatamente após o erro que ele, Button, cometeu na chicane da reta dos boxes.

Ele havia perdido muita velocidade e sabia que Hamilton estava em seus calcanhares. A alegação de que a cor de laranja que viu nos espelhos parecia ser de seu próprio aerofólio não é convincente.

Mais tarde, após a longa interrupção da bandeira vermelha, um novo toque, dessa vez com Pedro de La Rosa na relargada. Coincidência: o espanhol estava correndo pela Sauber, mas é o terceiro piloto da McLaren.

Será que Button esperava complacência, cumplicidade do companheiro? Se esperava, não devia. Sim ou não, seu carro saiu intacto mais uma vez; o Sauber precisou de um novo aerofólio.

Mais algumas voltas e chegou a vez de Fernando Alonso. Vítima de mais uma estratégia mirabolante da Ferrari, o espanhol havia trocado os pneus de chuva pelos intermediários na 17ª volta e voltado para os de chuva na 19ª. Mesmo assim, era o 10º colocado quando Button se aproximou. E resolveu lutar pela posição.

Vendo e revendo a cena, fica a impressão de que Alonso errou, e Button foi, mais uma vez, bafejado pela sorte. O espanhol, em hesitação fatal, deu espaço e, em seguida, voltou a acelerar. Naquele momento, o McLaren já estava a seu lado, quase roda a roda, e Alonso teve de abrir a entrada da curva.

Era tudo que Button precisava. Ele fez o possível para evitar a colisão, colocando as rodas da direita em cima da zebra molhada. Mas foi exatamente isso que fez seu carro sair de frente e deixar a Ferrari balançando melancolicamente na zebra.Mais um golpe de sorte a salvar a corrida de Button, cujo carro, indestrutível, teve apenas um pneu furado.

Justiça se faça: daí para a frente, Button viveu o melhor momento de sua carreira: impecável, absoluto. Somando suas seis paradas nos boxes(incluída a do drive through), ele perdeu um total de 2min21s067; em três paradas, Vettel perdeu 1min09s356. Uma diferença de 1min11s711.

Some-se a isso uma volta em 3min05s552, a que se seguiu à batida com Alonso. Ao fim da 37ª volta, ele era o 23º e último colocado, a 45s096 de Vettel. Tempo demais para descontar em 42 voltas, posições demais para recuperar.

Mas a entrada do Safety Car para resgatar o carro de Alonso reduziu a desvantagem para 12s132 na 40ª volta. Na 45ª, Button já era o 12º. Daí até o final, quatro pilotos que estavam à sua frente sumiriam: Heidfeld, Massa, Kobayashi e Barrichello.

Mas nem por isso é lícito se afirmar que a vitória caiu em seu colo. Ao contrário, o que Button guiou no Canadá ainda não se viu ninguém, nem mesmo Vettel ou Alonso, guiar nos últimos anos.

Para iniciar a última das 70 voltas da corrida a apenas nove décimos de segundo atrás do Vettel, ele teve de fazer o inimaginável. Teve volta em que ele foi mais de quatro segundos mais rápido que o alemãozinho da Red Bull.

Foi na 55ª: Button fez 1min20s513 e Vettel, 1min24s791. Claro que o alemão teve de passar por retardatários (no caso, Trulli e Glock), mas é aí que entra a sorte do inglês.

Para efeito de comparação, Schumacher e Webber, que disputavam o segundo lugar, marcaram na mesma volta 1min22s814 e 1min21s887, respectivamente.

Na volta seguinte, Vettel voltou a rodar em 1min22s e Button se manteve na casa de 1min20s. Mesmo assim, a diferença entre ambos, faltando 14 voltas, ainda era grande: 13s315. E entre eles estavam Schumacher, Webber e o retardatário Glock.

Ninguém, em sã consciência, apostaria na vitória de Button naquele momento. Mas eis que, como um milagre, o Safety Car faz sua derradeira e definitiva aparição.

Quando ele saiu, apenas 3s046 separavam Button e Vettel. Schumacher e Webber também, mas logo o australiano errou a entrada da reta, cedendo o terceiro lugar a Button. Passar Schumacher com a inigualável vantagem da abertura da asa móvel foi fácil.

A separá-los, então, 1s662 na 66ª volta; 1s334 na 67ª; 1s172 na 68ª. Mas era preciso chegar a menos de um segundo para poder usar o recurso da asa móvel.

Finalmente, na 69ª volta, a diferença caiu para 0s911. O Red Bull conseguiria resistir à maior velocidade do McLaren quase a asa móvel se abrisse na reta oposta?

Na dúvida, Vettel tentou exigir ainda mais de seus pneus, que tinham duas voltas a menos que os de Button. Foi demais. As rodas traseiras travaram na freada da curva Cinco, ele teve de alargar a entrada da curva e derrapou no molhado. Button, impecável, impávido, glorioso, assumiu uma posição que, de fato, lhe cabia por direito.

Mas fica a pergunta se em algum dia na vida ele conseguirá repetir a atuação soberba do Canadá. Soberba porque mesmo tirando toda a ajuda da sorte, ainda se deve louvar seu soberbos controles da mente e do carro, sua invejável visão do desenrolar da corrida, nunca vista com tamanha intensidade.

Enfim, Button será mais alguma vez um novo Fangio, um novo Clark, um novo Senna? Ou o destino como fez neste domingo, lhe dando no Canadá o que lhe tirou em Mônaco?

Além de Button, alguns aspectos do GP do Canadá não podem passar em branco. O erro de Felipe Massa, por exemplo. Se tivesse tranquilidade, Massa teria se livrado de Narain Karthikeyan facilmente. Ele estava virando na casa de 1min28/29s; o indiano, em 1min33s.

Na volta anterior, Massa havia perdido dois segundos atrás do HRT de Karthikeyan, mas não era hora de apostar tão alto e colocar pneus slick na parte molhada da pista. Um erro gerado pela ansiedade de reduzir ao máximo a defasagem de pontos entre ele e Alonso que resultou em mais uma oportunidade perdida.

Por mais sensacional que tenha sido a luta com Kobayashi pela sexta posição nos metros finais, ela não apaga a certeza de que Felipe não está conseguindo conviver com a pressão. Isso lhe custou a impressão que vinha deixando de estar voltando à velha competitividade.

Outro a terminar abaixo do que por momentos esteve a seu alcance foi Barrichello. Usou a experiência para passar do 16º lugar no grid ao sétimo na 55ª volta – passaria a sexto com o acidente de Heidfeld. Mas um erro de Kobayashi à sua frente o fez perder quatro posições.

Rubinho chegou em nono, mais do que prometia seu Williams, mas menos do que poderia ter conseguido por méritos próprios. Fica como alento a certeza de que, em pistas de baixa exigência aerodinâmica, como a do Canadá e a de Valência, os Williams já mostram evolução.

Talvez se deva esperar o mesmo de um Schumacher que voltou a ser o Schumacher de outros tempos. Não só rápido, também cerebral, oportunista, tirando o máximo das oportunidades. A ultrapassagem sobre Kobayashi e Massa foi antológica.

Não fosse a descomunal vantagem da asa móvel, o Canadá teria marcado a volta do grande campeão ao pódio. Mas pelo menos deu credibilidade à afirmação de que ele está apenas começando a construção de uma super equipe. Para chegar a isso na Ferrari, foram necessários cinco anos. Ele, Ross Brawn e a Mercedes estão apenas no segundo.

Quem sabe se as ruas de Valência darão a Massa, Barrichello e Schumacher o que a ilha de Notre Dame deu a Button? A Fórmula 1 deve isso a nós brasileiros. Que também ansiamos por um retorno do heptacampeão ao pódio. Afinal, gostamos de corrida. E de seus heróis.

Para terminar: foi frustrante ver o GP do Canadá começar atrás do Safety Car no mesmo dia em que os pilotos da Moto GP se digladiaram sobre o asfalto encharcado de Silverstone. Eles não precisam – nem aceitam – o auxílio de babás para enfrentarem os riscos de sua profissão. Caem e levantam, correm com pinos nos ombros, justificam e eternizam o mito dos centauros.

A cartolagem, que não se cansa de fazer as escolhas erradas, alega motivos de segurança. Ora, mais seguro seria permitir que as equipes adotassem o acerto de chuva. Bem mais seguro do que mandar para a pista carros sem inclinação suficiente de aerofólios, com tão pouca altura em relação ao solo que aquaplanam até em segunda marcha.

Se fosse permitido elevar os carros, não se perderia tanta dirigibilidade, a cortina de água seria menor (porque o ar perderia velocidade ao passar por baixo do assoalho) e os pilotos da Fórmula 1 poderiam se igualar no imaginário dos torcedores aos heróis do motociclismo. E não a pilotos de autorama.

Lito Cavalcanti

AS – www.autoracing.com.br

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